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domingo, 10 de março de 2013

UM MACHO NA COZINHA!!!




Lá fora a chuva dava sua risada alta e as nuvens respondiam com o clarão de seus relâmpagos. Aqui no meu canto, sozinho e cercado de pensamentos, um lado menos cult rosnava sua presença; meu estomago – eu estava com fome! Olhei pro meu umbigo, olhei para a chuva e abaixei os ombros; não havia coragem que me fizesse sair aquela hora. Banho tomado, chinelo velho roçando os pés, cílios pesados... Então a ideia de morrer de fome não me pareceu tão amarga assim, desde que eu pudesse morrer de banho tomado, cercado de pensamentos sonolentos e sobre minha cama quentinha... Pousava meus cabelos sobre travesseiros macios, assumidamente resignado, quando um fio de voz surgiu do imaginário, como uma bolha de ar que parte do fundo do rio em direção à liberdade que o céu realiza. A voz disse apenas três palavras: “Vá pra cozinha!” E tudo que achei me pertencer e a elas dominar, foi o palco de grande revolução. O travesseiro jogou meus cabelos pro lado, a cama deu barrigada e dela fui cuspido, meus chinelos se agarram aos meus pés e a porta do quarto abriu me convidando a  sair; e lá fui, sonolento e desanimado para cozinha. A alternativa de morrer de fome ainda parecia mais apropriada do que estar aquela hora procurando frigideiras e panelas em sombrios armários debaixo da pia. Com um interrompido suspiro, minha carne expeliu sua resignação: “Há, foda-se!” E fui preparar meu jantar... Joguei para o inferno de águas ferventes, três batatas inocentes acordadas em meio a outras batatas inocentes e impessoais. Essas terminariam como um bocado de purê sobre meu prato. Amassei as batatas cozidas com o garfo mais próximo, até com raiva, insano, eu queria era ter morrido de fome sobre lençóis frios e macios, mas cá estou, vivo e cozinhando. Fui acrescentando aos poucos leite gelado e manteiga sobre as batatas, pareciam se amar, se atraíam, se fundiam, fizeram amor dentro da minha panela. Eu só levantava a sobrancelha, queria apenas que tudo fosse breve. De dentro da geladeira um queijo de minas me gritava, sua voz abafada dizia que amava o leite também e que queria estar junto do seu fim. Dane-se você, queijo, vai para a panela também, mas com sofreguidão. O cortei em cubos, onde uns foram se derreter inteiros e outros amassei no garfo como fiz com a batata. Fui até a geladeira beber no gargalo água gelada. Estava a fechar a porta quando um borrão de imagem me fez lembrar do bacon da Sadia, esse borrão o condenou a panela, cortado em fatias tão finas como a minha paciência, ainda pude vê lo derreter-se e fundir-se aos condenados. Droga, que venham outros mais, então peguei a cebola, arranquei seus cabelos, me desfiz das suas casacas velhas, a afoguei na torneira e fatiei; rodelas e mais rodelas se espalharam em volta da faca. Um file de alcatra refugiava-se tremula e fatigado por entre outras carnes na geladeira, sou um carnívoro convicto e desalmado. A luz interna da geladeira acendeu de novo, eu apareci e o puxei pela bandeja de isopor onde ele se escondia coberto de uma fina camada de plástico escrito: "Melhor consumir em três dias." Queria mais, queria que sofresse e fui buscar o sal, a pimenta do reino, o molho inglês e um pequeno pedaço de alho amassado com a colher que servia para misturar tudo... Na cozinha não cozinho com ética, apenas com pressa! Um limão pendurado no registro de água da cozinha foi à gota d’agua de tanta maldade, cortei o limão em duas partes e fiz cachoeira sobre a carne, gotas de molho inglês, pó de pimenta, esfregar de dedos com sal e tudo em fogo baixo, lento, bem lento, cozinhando... Sentei-me com olhar sem expressão, estava diante daquilo que mataria o que me matava, e comi as vistas de sorrisos de satisfação do meu chinelo, da minha cama, do meu travesseiro... Ao fim de tudo deite-me, agora não mais para morrer de fome, mas para viajar no tempo, nas horas de sono que me levariam para a manhã do dia seguinte.
Bom, foi assim...

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