Desculpe-me, não perguntei se você
sabe o meu nome. Perguntei se você me conhece. Estou longe de ser apenas um
nome, uma imagem, uma cor de pele, um cheiro. Eu sei que você sabe coisas sobre
mim, mas saber coisas ainda é muito pouco para dizer que me conhece. O que você
viu ou ouviu de mim são apenas impressões; são fotos em movimento. Sabe, quando
minha mãe morreu eu não derramei minhas lágrimas, cheguei a ouvir de alguém que
meu comportamento foi estranho, mas eu bem sei o que senti. Vi minha mortalidade exposta, a matéria que fui formado se degradar, oca, se decompondo a minha frente. Ver minha mãe morta foi como assistir cenas do meu futuro. Chorei, sim, e muito, mas num lugar onde os olhos não enxergam e o entendimento não alcança. Você me conhece? Sabe das coisas que me alegram ou das coisas que me borro de medo só de pensar? Sabe quais são meus arrependimentos? Minhas raivas? Minhas mancadas? O que você sabe sobre as vidas que tive? Das pessoas que sementaram a minha vida e partiram deixando seus frutos?... Você não vai me
descobrir apenas me olhando, porque mesmo estando quieto e parado como uma
estátua esverdeada pelo tempo, eu posso estar voando entre meus mundos, ou saboreando
uma música que canto para mim mesmo, posso estar num passado que foi bom ou
vivendo novamente momentos que mudaram o rumo da minha vida; e você achando que
estou ali na sua frente parado como uma estátua. Tolo! O pensamento é um universo em
movimento, mas apesar da sua imensidão, só eu consigo ver. Não, por
favor, não estou te acusando de desinteresse ou de apatia... Confesso que
também não sei muito sobre você, além de um pouco mais do que o seu nome... Você
sabia que quando estou estressado, surgem bolhas entre meus dedos, o que foi?
Está rindo de mim? Pois é, ninguém sabe disso, porque as bolhas crescem e
morrem entre meus dedos e ninguém as vê. Imagina, então, as coisas que crescem
e morrem dentro de mim que só eu assisto acontecer, que me motivam a sorrir
aparentemente sem motivo ou de chorar do mesmo jeito. Tem dias que só quero
chutar gatos, ter apenas uma grande escada para subir, como se estivesse indo
para algum lugar, mas apenas subir os degraus que só me cobram ritmo, ou
simplesmente sentar no banco de trás do ônibus, circular de preferencia, e
apenas ir sem lembrar em que parada vou descer. Achou estranho isso? Você
também deve ter tido os seus dias de fúria e de abandono, caramba, agora
percebo que também não fui contigo o que te cobro, é essa merda de
cegueira que a rotina nos desbota. Acho que eu mesmo preciso me conhecer melhor
ao invés de deixar a cargo de alguém que faça isso. Vou indo, tenho escadas a
subir e ônibus a viajar... mas ao menos sinto que preciso te dizer uma coisa.
Desculpa o meu egoísmo. Até mais...