Estou me fundindo
a este lugar, desfazendo-me das carnes, estou
virando parede.
Absorvendo a rugosidade da tinta, bebendo da sua cor, calcificando minha garganta, cercando de tijolos minhas expectativas; pois estou virando parede. Surge em meu corpo, aqui e ali, furos de pregos que se foram,
que seguravam telas de Sol nascente, marcas de fitas que um dia prenderam fotos e seus sorrisos; estou empoeirando-me, desgastando-me... Estou virando parede. Um dia lembrarão de saber como estou e sapatos trarão seus donos a minha porta, virão ver que luz
me resta nos olhos e de que palavras ainda me recordo. Entrarão
porta a dentro chamando meu nome, entrarão sem bater para fazer surpresa e a surpresa será o vazio do lugar... Perguntarão entre si por onde eu ando? Quem me viu
passar? O que devo estar fazendo?... E estarei diante deles, gritando e agitando
meus braços, tanto quanto uma parede pode gritar e se agitar. Não me verão e nem me ouvirão, porque sua demora me desfez, seu esquecimento me apagou, meu tempo acabou, me deixaram virar parede...