Felipe vai fazer 18 anos... Dos meus quatro filhos, é o que mais ocupa meus pensamentos e a minha atenção. Agora que estou só, ele é o único contato pessoal de família que me restou em casa. O amor que tenho por meus filhos é tão infinito quanto à natureza da composição que foi gerado o meu espírito. O amor nem sempre é um sentimento que se movimenta no invisível; o amor também é matéria, é tátil, tem peso, me
causa reações físicas, dor, prazer, me mata e me vivifica. Umedece meu rosto e me trás um sorriso, orienta meu caminho e me deixa sem mapa, me faz sentir o maior cara do mundo ou mesmo o mais desprezível... O amor é inexplicável e tentam esquadrinhá-lo em conceitos psicológicos, pela ciência, relações humanas, antropológicas... Mas esta magia, o que o faz tão tão especial, é justamente a simplicidade do seu conceito. É dever de cada um encontrar o seu conceito de amor e vive-lo extravagantemente. Felipe é um filho em tempo real, não através de um e-mail ou de uma mensagem, ou de uma foto digitalizada tirada sei lá quando... Felipe é um filho full time. Todos os dias tenho seus olhos para olhar. Todos os dias tenho que acordá-lo para ir a escola. Todos os dias injeto a minha carga de pai
nele e absorvo dele sua carga de filho. Eu sou uma rocha de pernas, eu tenho crosta grossa adquirida ladeira abaixo; conheço todos os palavrões da língua portuguesa e não tenho medo de usá-los, sou cínico se for preciso, dissimulado, sacana, arrogante, sei dar pernada, sei me desviar das flechas, sei combater o inimigo na forma que
se apresentar; sou um assunto a ser tratado por Deus. Mas ele não, e isso me preocupa! Se você tem filho vai me entender. Dá vontade de tirar das suas mãos e dizer: “Deixa que eu faço... Conheço um jeito de fazer isso mais rápido...” Ele vai fazer 18 anos dia 13 de outubro. Eu fiz 18 anos em 22 de maio de 1977, em plena ditadura dos anos 70. Não me recordo nada desse dia, sei lá se existe alguma foto?!? Ele está nervoso, ansioso... Sugeri que fizéssemos uma reunião
aqui em casa com a sua turma... Ele chamou de “social”, social... Como assim? Estou me esforçando para dar a maior força!Mas eu perdi a merda do manual que a enfermeira me deu junto com o seu nascimento “Como criar filhos Felizes, Obedientes e de Sucesso...”. Não o encontro em nenhuma livraria... Já disse a ele para avaliar melhor suas expectativas, e que o melhor da festa é sempre esperar por ela... Na verdade eu poderia falar qualquer coisa aqui sobre ele, pois ele não lê os meus blogs...
Vai ler um dia, mas agora não... As vezes me reconheço nele como há 35 anos atrás; me dá vontade de contar as cenas dos próximos capítulos para ele parar de achar que o herói vai sempre se dar bem... Afinal existem heróis e bandidos, e que tudo é uma questão de ponto de vista. Ele é muito mal humorado comigo, parece que alguns
filhos combinam na escola: Vamos agir assim, dessa forma evitam de falar conosco... As vezes digo a ele que eu é que tenho 17 anos e ele tem os meus 52... Muitas vezes disse a ele que teria gostado de ter conhecido meu pai, os dois se adorariam... Acho que ele me vê apenas como um provedor... Gostaria que me
visse como um amigo. Eu consigo me resumir, me encolher, me ajustar, me fazer adolescente, eu consigo entendê-lo, porque já estive no lugar dele... Quando ele tiver com 52, talvez eu não esteja aqui para trocarmos nossas figurinhas. Tenho sentido muita vontade de adotar uma criança... Começar tudo de novo pela quinta vez... Nossa!! Almocei domingo passado com meu irmão Beto, disse a ele que estava querendo um cachorro, que fazia parte de uma lista das 10 coisas que
gostaria de fazer antes de morrer... Ele me disse: Pensa muito bem sobre isso... Quer ficar com o meu??? Imagina se eu dissesse a ele que estou querendo adotar um ser humano?!? São dois assuntos distintos...
Sinto falta de ter um cão, um amigão, grandalhão, cara de inteligente... Se eu viesse a adotar uma criança, seria por amor. Estou cheio de assuntos fervilhando meu mundo. Mas isso é muito bom... Isso faz parte da vida; acho que a contagem regressiva da morte se inicia quando paramos de pensar, paramos de escolher rotas, paramos de dar pernadas, ou não sentimos mais as que recebemos... Desculpe-me o assunto, mas gostaria de dividi-lo com um amigo, por isso escrevi para você. O sentido da vida é a eternidade que os filhos nos proporcionam, e olha que me esforcei muito para ser eterno...
Obrigado por ter vindo, amigo.
Noite de terça-feira, temperatura agradável.
Uma boa quarta-feira para você!
Seja feliz.
Obrigado
Ricardo