Era primeiro de junho, sexta. Eu estava na masmorra do meu castelo vendo o mundo perfeito do facebook. Num daqueles meus lampejos reativos tirei uma foto do momento e a pus no face com o seguinte texto:
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"Mais uma sexta a noite e eu me divertindo horrores no computador... Parece uma masturbação, um prazer solitário, uma janela sem a luz do sol, um horizonte achatado, um monte de nada misturado com água da bica. Eu trocaria meus quatro monitores, meu laptop e meu desktop por um minuto de amor. Eu era adolescente nos anos 70 e não tinha carro. saía as vezes da casa dos amigos ou de uma festa as 3hs da manhã. Ia para o ponto do ônibus e ficava um tempo enorme esperando ele chegar. Era um vazio misturado com a expectativa de voltar para casa. Hoje sinto aquela mesma sensação de estar sentado no meio fio olhando para o fim da rua, esperando meu ônibus aparecer e me levar para casa... A diferença é que não sei se o ônibus virá e não tenho mais 17 anos. E bota diferença nisso. Enquanto isso, mais face..."
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Tenho uma querida amiga que mora em Olinda, lá pelas terras de Pernambuco. Aline de Paula não gastou suas palavras comigo, apenas se deu ao trabalho de me enviar um texto antigo do mestre Fernando Pessoa. Que delícia, que beleza, que verdades... Gostaria de ofertá-lo aos que passam aqui por minhas estalagens, para matarem suas sedes e fome, aos que como eu estão seguindo a estrada que compete a cada um trilhar.
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Encerrando Ciclos
Fernando Pessoa*..
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FERNANDO PESSOA |
Sempre
é preciso saber quando uma etapa chega ao final...
Se
insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a
alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando
ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o
que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.
Foi despedida do
trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em
outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem
explicações?
Você pode passar
muito tempo se perguntando por que isso aconteceu...
Pode dizer para
si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram
certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem
subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para
todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão
encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao
ver que você está parado.
Ninguém pode
estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos
entender as coisas que acontecem conosco.
O que passou não
voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que
se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia
uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.
As coisas
passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora...
Por isso é tão
importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa,
dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem.
Tudo neste mundo
visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso
coração... e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço
para que outras tomem o seu lugar.
Deixar ir
embora. Soltar. Desprender-se.
Ninguém está
jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes
perdemos.
Não espere que
devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio,
que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre
ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o
estará apenas envenenando, e nada mais.
Não há nada mais
perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que
não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do
"momento ideal".
Antes de começar
um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que
passou, jamais voltará!
Lembre-se de que
houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é
insubstituível, um hábito não é uma necessidade.
Pode parecer
óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante.
Encerrando
ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque
simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.
Feche a porta,
mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se
transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem
quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem
tu és...
E lembra-te: Tudo o que chega, chega sempre por alguma
razão!
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* Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português. É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um "legado da língua portuguesa ao mundo".
Por ter sido educado na África do Sul, para onde foi aos seis anos em virtude do casamento de sua mãe, Pessoa aprendeu perfeitamente o inglês, língua em que escreveu poesia e prosa desde a adolescência. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa traduziu várias obras inglesas para português e obras portuguesas (nomeadamente de António Botto e Almada Negreiros) para inglês.
Ao longo da vida trabalhou em várias firmas comerciais de Lisboa como correspondente de língua inglesa e francesa. Foi também empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário, ao mesmo tempo que produzia a sua obra literária em verso e em prosa. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterónimos, objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente".
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