Meu Blog

A eternidade é o
momento que se renova

Nosce te ipsum
Conhece a ti mesmo
γνωθι σεαυτόν
γνωθι σεαυτόν


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

VÉSPERA DE UM NATAL AZEDO...

HISTÓRIA BASEADA EM FATOS REAIS, 
INFELIZMENTE.
.
.
Quase todo mundo tem uma história especial
de Natal para contar; vou contar a minha, então.
.
Era noite do dia 23 de dezembro de 2010, imagina como foi ao longo daquele dia... Dava até para pegar com as mãos o espírito natalino que a todos envolvia. Na TV passava o especial da Xuxa vestida de Papai Noel, o especial do Renato Aragão escondido no saco do bom velhinho, propagandas e mais propagandas anunciando descontos para os que ainda não haviam comprado seus presentes de última hora, o caminhão da Coca-Cola atravessava uma estrada todo iluminado com o Papai Noel dirigindo... Nas ruas as árvores estavam cheias de luzes piscantes, pareciam frutos encantados. Todo mundo já havia recebido o seu 13º, havia um perfume no ar como se a brisa fosse feita de algodão doce. Era Natal!!! Nesta época eu trabalhava num grande shopping no bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, e iria sair às 22 hs. Lá pelas 20 hs pensei em dar uma escapada até um mercado próximo e comprar ingredientes para preparar uma macarronada especial. O Natal me faz sentir feliz, zen, sem estresse, e, por conta disso, estava com todas as minhas travas de segurança desativadas. Ao entrar no mercado o espírito do Natal também estava lá; no alto-falante saia a voz de Frankie Sinatra cantado Jingle Bells, bolinhas de todas as cores e lâmpadas pisca-pisca balançavam espalhadas sobre minha cabeça, dava até vontade de cumprimentar e abraçar todo mundo, meus olhos pareciam sorrir. Já estava com a minha cestinha de mão cheia com tudo que iria precisar para mais tarde, então me dirigi até o caixa. Como diz a senhora B.: "Não entre em fila se o caixa for homem, são lentos e desatentos." Concordo inteiramente, o caixa de um supermercado, quando é homem, quase sempre parece estar de saco-cheio, ou dispersivo, ou com movimentos em câmera lenta para passar os produtos no leitor de barra, ou tudo isso ao mesmo tempo. Andei alguns metros, escolhi a menor fila possível com uma jovem mocinha vestida com o uniforme do mercado. Foram 5 minutos empurrando a cesta de compras com o pé, até chegar a minha vez. "Boa noite senhor" Cara! Foi um cumprimento super simpático, foi algo a mais do que um simples treinamento de como atender os clientes; ela realmente foi muito simpática e sorriu. Em seguida ela começou a passar as compras. Deu para perceber que era jovem, devia ter uns 20 anos. Sempre tive muito respeito por pessoas jovens que trabalham até mais tarde, atendendo um público diverso; pessoas boas, mal resolvidas, educadas, grosseiras... As vezes moram longe, deixam seus filhos em casa com alguém; as vezes chegam, sei lá, meia noite, para então poder dar um beijo de boa noite em seu filhinho, comer alguma coisa e cair exausta na cama. São guerreiras que matam um mamute por dia, e ainda sim, me deu um boa noite com um sorriso sincero... Enquanto a funcionária passava minhas compras, pensei em ser simpático também, tomei coragem e puxei conversa: "Muito serviço?" Ela disse: "Nossa, hoje foi demais..." Eu falei: "Você deve estar cansada, que bom que daqui a pouco vai pra casa descansar..." Ela levantou as sobrancelhas, e disse um longo: "É..." Extasiado pelo espírito natalino que me cercava, consternado por aquela mocinha estar até aquela hora trabalhando com bom ânimo, acabei por reparar na sua barriga gravídica, enorme, bonita, materna. Que lindo! Não me contive, estiquei o pescoço, sorri e perguntei: "E o baby, é para quando?" Ela parou de passar as compras, engoliu o sorriso e perguntou com ar de espanto: "Que baby??" Eu devia ter dito: "Esse que carrego dentro da minha boca, minha língua tem o tamanho de uma criança de seis meses..." Mas afinal eu me pergunto: Eu vi o atestado de gravidez dela? Ou conheço o pai? Ou fui convidado para ser padrinho? Ninguém havia engravidado a droga daquela mulher!!
.
Minha cara foi derretendo, meus cabelos explodiram em chamas, meus olhos caíram no chão e logo alguém passou chutando para longe, minhas bochechas ficaram da cor da roupa do papai Noel; mas só as bochechas, o resto em volta estava branco como a neve da manhã. Senti como se a minha pergunta tivesse ecoado nos alto-falantes do mercado e todos me encaravam com seus olhares agudos e flamejantes. Pensei em largar tudo e sair correndo... Pensei em dizer alguma coisa, mas minha língua baby virou chumbo, tentei dar um sorriso, mas nem careta saiu. Se eu tivesse que morrer naquele mês, aquela seria a hora perfeita para isso. Ela não estava nem um pouquinho grávida!!!!!!! Mais uma vez a minha boca esqueceu os bons modos em casa e, como a pata de um elefante enfurecido, fez seus estragos. Com mais de cinqüenta anos de estrada, como eu fui fazer aquilo? Ela emudeceu, abaixou a cabeça, olhou para seu barrigão e passou o resto das compras num silencio sepulcral. Sem querer eu a feri no seu íntimo, eu fui um imbecil... Como um robô recolhi as compras, paguei, nem peguei o troco, e voltei para o meu trabalho... Mas a imagem daquela pobre moça que estava até aquela hora trabalhando para sustentar seu marido vigarista e seu filho desamparado, gratuitamente chamada de grávida, sem ter um filho na barriga, não saia da minha cabeça... Me senti podre, o pior dos homens... Passei uns dias planejando como iria fazer para voltar lá e conseguir dela um perdão, iria falar da minha senilidade, dos óculos que havia perdido, falar da sua beleza, dizer qualquer que me livrasse daquele sentimento de culpa. Voltei uma vez no mesmo horário, duas vezes... voltei outros dias, mas nunca mais a vi. Teria se matado? Teria fugido? Teria ido pedir alguém que a engravidasse? Entrou num Spa insano de emagrecimento? Pediu as contas para nunca mais me ver? Não sei, não sei...
.
Quando não temos certeza do que vamos dizer, é melhor ficarmos apenas em respeitosa contemplação deixando que pensem que somos alguém muito muito sábio...

04-08-2011
dedicado aquela pobre moça desaparecida 
e agredida por minha língua assassina



.