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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

MERDA DEPOIS DO ALMOÇO...






O pai e o "cara"
Amo meus filhos. São quatro pessoas bem diferentes entre eles, mas cada um tem um jeito em que me assisto, que me faz sentir parte integrante de suas vidas. Cada um tem o meu tempero, nossas células se reconhecem e vibram quando nos aproximamos. Eu sempre quis ser pai e tenho um orgulho danado disso. Com o tempo consegui entender que as pessoas têm um universo pluralistas, suas identidades são compostas de vários “eus” que se integram e se colorem. Temos o nosso EU na família, o nosso EU no grupo de amigos, o nosso EU na atividade profissional... Não temos como ser o mesmo em todos os lugares, pois os diversos lugares exigem pessoas diferentes de nós mesmos; com isso entendi que havia dois Ricardos dentro de mim: o "PAI" e o "CARA". Esses dois Ricardos até se dão bem, se ajudam em alguns momentos, se cumprimentam e se completam; mas são individuais... É como a simbiose Clark Kent e o Super-Homem. O Ricardo  "pai"  vive e permanece na memória e no coração dos filhos e nos filhos de seus filhos enquanto viverem, já o Ricardo "cara", depois que morrer, vai se apagar na memória da vida. Eu sou pai e sei da minha importância para meus filhos, quem atrapalha é o "cara" com a sua entusiasmada natureza humana, com suas falhas, seus medos, suas paixões, suas “cagadas”... Estou sempre na busca desse equilíbrio. 
BEATRIZ
Dentre meus filhos, Felipe está atravessando aquele cinturão de asteroides que gira em torno do processo de amadurecimento, entre o quase ainda sou menino e o quase já sou homem. Beatriz, sua mãe, diz que para o homem é mais difícil do que para a mulher atravessar a adolescência, acho que concordo com ela... Num dia desses eu estava no trabalho caçando "mamutes", quando ouvi uma criança chorar de um jeito muito semelhante como Felipe fazia quando era pequeno... Nossa! Viajei naquele choro! Minha mente se estremeceu e as rugas que o tempo me desenhou na face amenizaram. A luz em volta foi se apagando enquanto outra surgia através de um zíper gigante que rasgou o ar em minha frente. Viajei no tempo. Fui parar numa tarde de 1994. Felipe está chorando ao meu lado, ele quer alguma coisa; Felipe sempre quer alguma coisa... Ele tem uma cara redonda e cor e cheiro de canela, muito lindo! Eu, Beatriz e nossos filhos estamos na praça de alimentação no shopping Rio Sul em Botafogo. Felipe tem quase dois anos. Havíamos acabado de almoçar um suculento file mignon com molho de chapingon na manteiga. Que delícia! Estava satisfeito e sorridndo quando ouço um som aterrador... Parece a turbina de um jato com problemas. Felipe acaba de encher de maneira cinematográfica sua fralda com toda a sonoplastia própria  
dessa tragédia. Nossos olhares  chocam-se no ar, os meus e de sua mãe. Ela tem que dizer a maldita frase: “Aaaah não! Eu já fui hoje, agora é a sua vez...” Um gelo me corre a espinha. Diante da rudeza do momento e de tal altivez da afirmação de que era minha vez, não tive alternativa e nem palavra, levanto-me, pego a mãozinha desse menininho e vamos em direção ao banheiro... No caminho repasso mentalmente, passo-a-passo, como fazer para sair dessa situação rapidamente e sem dor. Chegamos ao banheiro, para avaliar a situação, tenho a estúpida ideia de me abaixar e puxar o elástico da sua fralda para avaliar a extensão do estrago. De imediato o vapor do mau cheiro me atinge em cheio o rosto, meus olhos choram ardidos. Meu corpo se contorce, tenho convulsões... Palavras sem nexo saem da minha boca e acabam substituídas por grunhidos; só paro quando os espasmos involuntários dominam meus ombros e depois meu copo inteiro... Pergunto-me aturdido como pode uma criancinha de 2 anos produzir tamanho horror??? Coloco Felipe sobre a bancada de granito onde há várias pias, tiro seu tênis e as meias, faço um enroladinho de cada uma e guardo. Depois tiro sua calça curta sem deixar que se suje. As pessoas entram e saem do banheiro, mas eu me sinto sozinho no Mundo; a quem posso pedir ajuda? “Amigo, por favor, pode me ajudar a limpar essa bosta???” Bosta de filho pertence aos pais! Nesse caso ela é toda minha. Sem alternativa encaro o problema. Prendo a respiração, puxo as fitas que fecham sua fralda, e vou enrolando-a até formar um embrulho. Uso as próprias fitas para lacrar tudo. Abro a torneira da pia e jogo água... Felipe permanece quieto e resignado, mas faz uma coisa que eu não esperava, coloca a sua mãozinha gordinha sobre a minha e diz: "É coco papai!" E respondo resignado: "Eu sei, filho, tô vendo!!" Meu coração incha nessa hora, entendo que eu não estou diante de um problema, mas com meu filho de 2 anos... Então Ele chega, acho que até atrasado, o "pai" que me habita. Ele bate no meu ombro e diz: "Deixa comigo, eu assumo daqui..." Levanto com alegria e digo para ele: "Por favor, fique a vontade..." Ele começa a lavar o Felipe com todo o carinho, conversando com ele, brincando, curtindo... O "cara" até dá umas ideias: "Aí, usa o sabão líquido..." O  "pai"  ri e aceita a sugestão. Num instante Felipe está todo ensaboado com o líquido de sabonete da pia do banheiro do shopping. Fica limpinho e até cheiroso. Mas como secá-lo? Só havia aquelas máquinas presas na parede que jogam ar quente.  "cara" diz: "Já sei o que vamos fazer, me dá ele aqui..." Então o "pai" observa o "cara" virar Felipe de cabeça para baixo deslizando o bundão no ar quente e rapidinho ele fica seco. Só faltou o talco... Com a supervisão do "pai" e as ideias do "cara", Felipe volta para a mesa limpo, cheiroso, com os devidos "pai" e o "cara" orgulhosos com ares de dever cumprido. Que saudade! 
THAÍS, RENATA, FELIPE E MARCELO
OUTUBRO DE 2004
Às vezes as pérolas que enfeitam nossas vidas são reconhecidas muitos anos depois de tê-las tido entre as mãos... É a forma cruel que a vida tem de chamar a nossa atenção para ficarmos mais atentos para momentos que vem e passam e nunca mais serão exatamente iguais. Para nos lembrar que só se vive uma vez, que seja, então, intensamente. 


Ricardo Cacilias
   03-08-2011