Talvez um olhar mais simples das coisas, tivesse me
deixado mais alegrias nas lembranças. Estou farto desse meu olhar específico, de querer sempre
ver o significado da imagem. Estou cansado desse meu olhar técnico, desse olhar apressado,
tão maduro quanto burro, tão estéril e descartável. Como fui petrificar meu olhar? Quem me ensinou que as
imagens podem ter mil histórias, quando a mais bela é o instante em que a vida roça em suas bordas? Queria voltar a ver como uma criança, me surpreender,
me emocionar, me deixar envolver livre das reservas que a vida foi pendurando em meus olhos... Tive olhares que me renderiam músicas, mas tive pressa de
entender a melodia. Tive olhares que me trouxeram cheiros, mas estava atarefado demais para aprecia-los. Tive olhares que foram os mais importantes da minha vida,
mas estava ocupado com os ajustes da máquina, enquanto passavam diante de mim na velocidade que um rio profundo pode ter. Não tive a decência de acolhê-los em seu tempo real e nem
a sabedoria de reconhecê-los como sendo únicos. A vida não se rebobina para rodar novamente
diante dos nossos olhos. Por isso tenho imagens em minha lembranças sem cheiros, sem
brilhos, sem som... Apenas imagens. Eu devia ter apreciado mais, deixado o sol me ofuscar,
o cheiro me inebriar, as cores me lambuzarem, e teria muito mais do que fotos na caixa, teria
lembranças para me aquecer e me fazer sorrir. A fotografia registra em papel um instante, mas estar de alma presente vivendo o momento, é poder justificar um espírito ter ocupado um corpo e nele vivido intensamente.