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quarta-feira, 22 de maio de 2013

AS VENTANIAS DA ESPERTEZA...






Hoje é o meu aniversário.
 .

Acordei a pouco, são quase sete da manhã. Tomei um longo banho quente, deixei o calor dessa chuva massagear as células cansadas das minhas costas. Fiz a barba no banho, é prático, o vapor amacia o fio que se renova todo dia. Ainda molhado e de toalha na cintura, tomei meu café que se resumiu a um copão de leite com chocolate e duas torradas com queijo branco. Estou diante do meu reflexo, olhando meus olhos, o preto dos meus olhos, no centro do preto dos meus olhos e me seguro para não me ofender... Eu me decepcionei! Lá nos anos 60, quando eu ganhava um presente de aniversário, minha energia e expectativa eram tantas que, ao destroçar o embrulho do presente, eu destroçava o presente que ele guardava... Fiz isso algumas vezes. Repreenda dos pais, dos tios, dos convidados... e ainda por cima um presente destroçado nas mãos. Era como assistir os melhores momentos de um Festival de Merda! Acho que fiz algo parecido com a minha vida, que é um presente de Deus! Porque não me ofendo? Porque isso é como um suicídio. Ofender-se é desfazer-se, é aniquilar, é expor as limitações que a maquiagem que valoriza a minha personalidade, não consegue encobrir as imperfeições... Ofender-se é a fotografia do fracasso. Normalmente as pessoas defendem suas preciosas vidas, sua condição humana, as bobagens que fazem e porque fazem até esguelhar-se. É a velha história de que “eu” nunca erro, as pessoas me levam a cometer meus absurdos... Queria abrir metaforicamente meu peito em dois, afastar as costelas, aproximar meu rosto do vapor que me esvairia e encarar o real por detrás do suposto. Tirando os filhos que Deus me disse: “Ide fazê-los. Trás essas vidas para mim...” Nada tenho do que me orgulhar, nenhuma cura, nada de fórmulas científicas metamórficas, nem um matinho descoberto com meu nome, nem um inseto, nada e nem porra nenhuma... Apenas filhos mais do que especiais... Como aquela visita a uma tia pobre, distante, que você foi visitar na quinta-feira à noite, num dia qualquer de fim de mês. Ela pergunta, enquanto segura a vela para ver melhor seu rosto: “Quer comer alguma coisa, meu filho?” Você olha para o relógio, quase nove da noite e pensa: “Até que não seria uma má ideia...” Ela diz: “Tem sopa...” Você pensa: “Sopa?” E pergunta: “Sopa de que, tia?” Ela responde: “Sopa de batata!” Você diz: “Legal... Batata com que?” E ela responde: “Só batata...” Eu concluo: Só filhos...” Meus filhos são o apogeu da minha vida, a única coisa que fiz de valor, o motivo de estar vivo. Ter filhos é ter o nome pronunciado 100 anos depois da sua morte; é te proporcionar a mais doce forma de eternidade. Num tempo estarei morto, você também, os tempos mudarão. Novos personagens estarão caminhando sobre a Terra e o que eu fui e como fiz, não fará diferença para ninguém; mas em especial no dia de hoje, 22 de maio, quero exercer meu direito de pensar sobre a minha vida; não sou uma ameba, sou um Homem. Se me bater eu revido, se me cortar eu sangro, se me ofender eu xingo, se me magoar eu choro. Toda vida tem um valor, ainda que não seja para seu vulgar vizinho, vale como diamante para o Deus de todas as coisas... Queria dizer que os anos levaram uma boa parte das minhas maldades. Sabe por quê? Não me serviram para nada, apenas consumiram ar e produziram gás... Tenho um monte de sonhos incompletos no meu bolso, eu tinha certeza que venceria todas as batalhas no meu campo de luta, que escalaria as mais altas montanhas, atravessaria todos os oceanos a nado, visitaria tantos países e conheceria “trocentas” culturas... Acho que errei no fermento ou coloquei ovos a menos nessa massa; o ponto é que me sinto diante de um bolo solado, por isso hoje olhei em meus olhos e quis me ofender; sinto-me traído por mim mesmo. Não sou quem achei que seria, não fiz o que pensei que faria, não fui onde esperava chegar. Uma das declarações mais babaca que tenho ouvido é: “Não me arrependo de nada do que fiz na vida...” Deixo esse tipo de declaração para os tolos. As ventanias da esperteza ainda podem embaralhar meus cabelos, mas não deixo mais que me façam um penteado. O vazio é um espaço imenso que nos movemos em câmera lenta. Às vezes é o que sinto dentro de mim, um imenso vazio que não foi preenchido pelos sonhos que idealizei. As gotas que transbordam do copo cheio são tão preciosas quanto o líquido que as empurra para fora. Num dia desses entrei no trem do metro na estação da Carioca. Ao mesmo tempo eu e uma mocinha bonitinha nos dirigimos para o único lugar vazio. Ambos paramos quando percebemos que o outro queria sentar-se. Como faço a mais de 100 anos, estendi minha mão indicando para ela se sentar, mas ao invés disso ela deu um passo atrás e disse: “Não, por favor, sente-se o senhor!” Eu fiquei tão apalermado com isso, que para não constrangê-la, ou por não me ocorrer o que lhe dizer, acabei sentando com um sorriso amarelo entre os lábios... Inaugurei naquele momento a minha velhice. É isso? Fiquei velho? Devo colocar cobertores em minhas pernas? Não sei bem, nunca passei por isso antes. Fora os óculos, que já uso há muitos anos, as coisas em mim só melhoraram. Saúde, força física,   
conhecimento, maturidade, paciência... Se estou velho, é nos olhos de quem me vê, pois daqui de dentro enxergo minha juventude. Acho que quanto mais crescemos como pessoa, mas revolta levamos a Morte, e mais ela se esforça para nos alcançar... A “senhora” vai ter que correr para por suas mãos em mim, pois ainda tenho muita coisa para ser e muita coisa para fazer. Não posso me deitar naquela sepultura em paz e de mão cruzadas sobre o peito, sem antes provar alguns dos doces que a vitrine dos meus sonhos expôs para mim. 
    


Ricardo Cacilias
     22-05-2013