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domingo, 29 de janeiro de 2017

EU, O VENTO E A CADEIRA...

Baseado em fatos reais





Moro há quatro anos 
numa cidade do interior 
chamada Macaé.
Sou do Rio de Janeiro, nasci no dia 22 de maio de 1959 na maternidade Clara Basbau, na Rua da Passagem, em Botafogo. Ela não existe mais. Hoje tem um enorme prédio antipático construído no seu lugar. Há uns anos, caminhando a pé por essa rua, parei diante desse prédio do outro lado da calçada. Tudo em volta era diferente do dia do meu nascimento; os carros, o céu, os cheiros, o vento...
Como uma chuva de verão que cai sem aviso, fui assaltado por uma intensa saudade dos meus pais. Me deu uma louca vontade de, ainda que por meros instantes, me transportar para o momento em que meu pai chegava na maternidade com minha mãe. Fechei os olhos para assistir melhor as cenas dessa hora, caprichosa costura da minha imaginação com saudade. Quando essas imagens foram chegando, as cores que me cercavam foram ficando em preto e branco, meu filme imaginário não era colorido. Meus pais já morreram, mas quando os vi saindo jovens e apreensivos de um Buick preto 
Buick - 1955

dos anos 50, me deu vontade de sair correndo de braços abertos em direção a eles, mas minhas pernas não me obedeceram, minha voz secou na garganta, nem tão pouco meus braços se moveram; na verdade eu não estava lá, apenas assistia o que nunca tinha visto e lembrava sem ter vivido; presentes da minha imaginação. Minha mãe muito jovem e muito linda tinha as mãos sobre sua barriga, já me embalava antes do meu nascimento; meu pai magro e de expressão séria com seus cabelos penteado para trás, carrega uma bolsa grande na mão direita enquanto que a esquerda estava nas costas de minha mãe. Acho que foi o momento em que nós três jamais estivemos tão unidos, andando nos mesmos passos, pensando as mesmas coisas, querendo o mesmo desfecho... Minha mãe tinha um lenço preso aos cabelos e meu pai estava de terno e sem gravata. Era quase dez horas da manhã, olhei para cima e vi poucas nuvens e um Sol brilhante; quando olhei de volta para o outro lado da rua, meus pais já haviam entrado na maternidade. Não iria demorar muito para eles terem o seu primeiro filho. Despertei de volta ao século XXI; muito barulho, muita cor e o enorme prédio antipático sentado sobre a minha maternidade. Isso já faz alguns anos... Da varanda daqui de casa consigo ver o mar, às vezes verde, às vezes azul, às vezes cinza; atualmente tem variado conforme a lente dos olhos que meu rosto guarda. Eu estava sentado na cadeira da varanda, fim de tarde, hora em que o vento entra de frente levando folhas secas de lá para cá, empurrando as nuvens, provocando a dança dos galhos. Isaura se aproximou em silencio, estava indo embora, disse qualquer coisa sobre ter deixado o jantar pronto e que a camisa que eu queria estava passada e pendurada no puxador do armário. Isaura trabalha aqui em casa há... nem sei quanto tempo. Por não ter respondido ela se volta na minha direção, vê meu olhar cativo no horizonte e coloca sua mão sobre meu ombro. Tomo quase um susto e desperto. Olho em seus olhos e vejo aquela senhorinha simpática que cuida da casa, cheia de sabedoria, de fé e de atenções por mim. Às vezes acho que minha mãe, de lá onde está, enviou Isaura para cuidar de mim. Ela me pergunta: “O que houve Ricardo?” Eu me limitei a balançar o ombro em que sua mão repousava, como quem diz "não é nada..." Respeitando minha vontade de fazer segredo dos meus pensamentos, ela diz num tom baixo e pausado: “Os pensamentos, assim como a saudade, não nos pertencem, vem e vão com a liberdade do vento. Não leve tudo tão a sério... Sem responder, dei um leve sorriso concordando com o que ela disse. Ela sorriu de volta e seguiu em direção a porta de casa e eu me voltei lá para fora. Ainda deu tempo dela me ouvir dizer: “Obrigado...”. Escutei a porta se fechar deixando nós três para trás: Eu, o vento e a cadeira.



29-01-2017