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domingo, 4 de março de 2012

O OUTRO LADO DO ÓBVIO...



O que está acontecendo pai?
Que doideira fazer parte desse século. Tudo tem que ser tão ciberneticamente imediato, não há mais tempo para saborear preciosidades... Quase tudo se resume em rasgar o envelope, acrescentar 200ml de água, colocar no microondas e pronto. O espírito do imediatismo do século XXI tenta me fazer acreditar que viver pequenas coisas que não sejam majestosas, exuberantes, imprescindíveis, como olhar o passeio de uma folha voando nas costas do vento, é coisa para derrotados. Fico tonto com essa roda-gigante, dessa rotina míope e sufocante. As vezes olho pro céu, abro os braços e pergunto pra Deus: "O que está acontecendo Pai? Quem eu sou? Onde estou? Para onde vou?" Penso que somos tão absolutamente complexos, assim como, somos tão absurdamente óbvios de mais.

Pinky e Cérebro
Tinha um desenho animado que eu já burro velho gostava de assistir. Eram dois ratos de um laboratório, um se chamava Pinky e o outro Cérebro. No fim de cada história Pinky perguntava para o Cérebro: “O que vamos fazer amanhã Cérebro?” E ele sempre respondia o mesmo bordão: “A mesma coisa que fazemos todas as noites, Pinky... Tentar conquistar o mundo!” Eu estou cansado de seguir esse “script”, de tentar todos os dias “dominar” o mundo... Dessa tarefa perpétua de ser espetaculoso. Dessa maldita competição pelo melhor campo de caça. 
Lembro da minha época de vestibular, em 1977 eu estudava no GPI da Tijuca. Um dia em meio aquele stress de ter que aprender tudo e passar na faculdade, uma menina bonitinha e gostosinha, que sentava na minha frente, disse em alto brado numa aula de química sobre moléculas e outros periféricos do assunto: “Eu não acredito em nada disso!!! Molécula? Que fica vibrando? Que se aglutina a outras moléculas para formar coisas...? Eu estudo isso para passar no vestibular, mas se eu não vejo, eu não acredito!!! Pooorra!!! Foi aquele reboliço na sala... e o professor com aquela "cara de bunda". É como dizem... Um ano de cursinho pré-vestibular, 13 mil reais, passagens de ida e volta para o cursinho, 1.200 reais, livros e apostilas usados durante o ano, 3.000 reais, ver o professor de química ficar com "cara de bunda", isso não tem preço... Por acaso eu acredito em moléculas, mas pensando bem eu nunca parei para pensar sobre isso. Não tive sequer uma duvidazinha quando me disseram que moléculas existiam. Aceitei de cara! Mas essa menina, mesmo parecendo uma idiota caipira sem fé na ciência, questionou o óbvio estabelecido, o “combo” nosso socialmente aceito de cada dia. Não deixei de sentir uma pontada de inveja da sua coragem de se posicionar, de se declarar, da sua atitude de duvidar sobre que os americanos chamam de “established”. O primeiro passo para mais um passo é questionar. Eu acredito no que não vejo! Eu acredito no vento, eu acredito em Deus, eu acredito em micróbios, eu acredito no amor... Vou te dizer no que mais acredito: acredito que é preciso ter um coração aberto para que os mistérios que não sabemos explicar, possam alcançar o nosso entendimento; pois o mistério é um quarto escuro que se desfaz quando a luz da compreenção revela o seu ambiente. Quero lembrar o papelão do apóstolo Thomé como exemplo: (João 20:24-29). A promessa de Jesus em ressucitar ao terceiro dia havia se cumprido. Os outros onze seguidores restantes que restaram (Judas havia se matado), estavam aterrorizados de sofrerem o mesmo fim de Jesus. Por ordem de Caifás, os soldados do Templo os caçavam por toda parte. Eram considerados subversivos e as autoridades judaicas, queriam acabar com esse levante de judeus insubordinados a lei de Moisés. Quando Jesus apareceu pela primeira vez depois de sua ressureição, Tomé não estava presente. Quando Tomé foi ao encontro de seus irmãos, esses estavam eufóricos, gritavam e gesticulavam nervosamente com suas mãos: "Tomé, ele está vivo!!! Nós o vimos, ele conversou com a gente..." Thomé era aquela menina na aula de química do GPI e disse para o constrangimento de todos: "Se eu não vê-lo na minha frente com as feridas abertas pelos pregos em suas mãos, se eu não meter meus dedos na ferida da lança em suas costelas, eu não vou crer nisso!" Uma semana se passou e todos estavam reunidos novamente, ceavam, oravam e buscavam descidir o que fariam de suas vidas, muitos ali tinham famílias, esposas, filhos, mas não podiam retornar para suas casa... Uma voz os dispertou de suas apreensões, Jesus surgiu entre eles apesar das portas e janelas estarem fechadas. Eles o cercaram novamente com grande espanto e alegria. Jesus disse: "Que a paz esteja com vocês!" Virou-se para Thomé e disse: "Coloque seus dedos nas minhas feridas, olha para minhas mãos... Pega sua mão e passa na minha ferida da lança; não duvide mais de que estou vivo, mas seja crente!" Tomé estava estarrecido, constrangido, entregue... E disse em alto brado: "Meu senhor, meu Deus!!!" Jesus respondeu: "Por que me vê, acredita agora? Bem-aventurado os que não me virão e acreditarão em mim..."
Esse mundo não vai minimizar ou compactar a fé que tenho. As vezes minha fé parece uma batata quente que jogo de uma mão para outra, mas nunca a deixei cair...
Quero te contar o que aconteceu comigo no início deste ano.
Não me lembro em qual manhã de domingo foi, sei que estava dormindo e fui acordado pelo telefone, arrancado dos meus sonhos para as fronhas do meu travesseiro. Atendi: “Alou...” Uma voz feminina respondeu: “Alou, é o Sr. Ricardo?” Bocejando respondi... “É sim, quem é?” “É a enfermeira Rosely do asilo da dna. Malvina. Ela não está bem, o senhor poderia vir até aqui o mais rápido possível?” O que eu tinha nos intestinos se liquidificou! Perguntei: “Mas o que houve?” “dna Malvina teve uma convulsão hoje cedo, bateu com a cabeça e se encontra sedada... É necessário a presença de um familiar para levá-la a um hospital para fazerem uma avaliação.” “Claro, eu estou indo para aí!” Rosely encerra nossa conversa falando pausadamente: “...mas não demora...” Senti um calafrio como a descida brusca de um elevador. Pensei na hora: “Minha mãe morreu!” Trailers de filmes começaram a passar diante dos meus olhos. Cenas com minha mãe, brigas, carinhos, meus desrespeitos, minhas saudades... Lembrei quando meu pai morreu, minha mãe foi uma rocha e dessa rocha tirei a minha força. Minha irmã ficou inoperante e perguntava vez por outro para o constrangimento de todos: “Porque ele está deitado aí? Pai, levanta pai...” Meu irmão ficou inoperante chorando pelos cantos, moído, órfão, tão distante quanto pode ir atrás do nosso pai. E o operacional? Quem encomendaria o caixão? Quem combinaria tudo com o padre? Quem veria à capela? Quem lhe colocaria o terno? Quem preencheria os cheques? Meu pai atravessou o rio e deixou seu corpo para ser enterrado. Fomos nós dois, eu e minha mãe, que fizemos tudo. Eu só não quis vesti-lo, mesmo morto, eu não conseguia tocá-lo... Então, diante da ideia de enterrá-la, me senti totalmente sozinho... Respirei fundo, já não havia tanta pressa, eu estava certo sobre sua morte. Levantei-me, vesti-me, joguei água na cara, tomei um somaliun 3mg, liguei para meus irmãos, liguei para a companhia telefônica e inseri créditos no celular, avisei meus filhos que ficassem em casa e atentos ao telefone, subi na lambreta e fui para a Tijuca. Ao chegar fui ao seu quarto e graças a Deus ela não estava morta, apenas sedada. Em seguida chegou meu irmão branco como uma vela nova. Resolvemos levá-la para a UPP da Tijuca e vimos depois que foi a melhor decisão. Meu irmão foi buscar o carro e a enfermeira a cadeira de rodas. Um grande silêncio foi me envolvendo, a luz se apagou, a tela foi recebendo novas imagens e assisti a um filme completo em 3D de 30 segundos. Um dia a muito do passado, eu era adolescente, e estava deitado na minha cama. Eu havia discutido na noite anterior com minha mãe por um daqueles motivos absolutamente babaca e como quase todo o adolescente, acreditava que meus pais eram idiotas e que eu sabia demais!!! Na manhã seguinte minha mãe parou na porta do meu quarto e chamou pelo meu nome. Eu estava acordado e fingi estar dormindo, fiquei imóvel. Ela então entrou no meu quarto e caminhou lentamente em minha direção, sentou-se na beirada da cama, se inclinou sobre meu corpo e me abraçou por longos minutos... Quantas vezes ela deve ter feito isso quando eu realmente estava dormindo? Naquela época eu não sabia chorar, mas deu muita vontade. Ela nunca soube que eu estava acordado e eu nunca contei isso para ninguém até agora. 
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  Qual é o outro lado do óbvio?



MEU CAÇULA E EU
Eu vivo beijando e abraçando meus filhos para o eterno constrangimento deles... Sinto como se estivesse também beijando e abraçando meus pais... Como sou idiota!!! Eu e meus pais sempre tivemos muros altos entre nós. Era a minha última chance de dizer para minha mãe que eu a amava profundamente. Pensei: “Ela vai morrer hoje!!” Eu devia isso para mim e devia isso a ela... Olhei para os lados com vergonha de alguém me ouvir... Olhei seu corpo seco e encolhido e disse me inclinando levemente: “Mãe... Mãe eu te amo!!! Então vindo do seu corpo ouvi claramente sua voz me responder: “Eu também amo você...” Um raio gelado me descosturou a alma. Meus olhos se esbugalharam e eu só consegui dizer: “Mãe!?...” Fui tomado por uma arrebatadora emoção, meus dentes trincaram e chorei. Meus ombros balançavam e eu só conseguia dizer: “Obrigado meu Deus!... Obrigado meu Deus!...” 
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Sei que o óbvio nos faz concluir que eu estava sob grande stress emocional e ouvi o que queria ter ouvido. Sei que o óbvio dirá que produzi em minha mente uma frase onde eu pudesse me refugiar e refrigerar a minha angústia... 
.Sei... 
.Mas e o outro lado do óbvio? Acredito que Deus se compadeceu do meu arrependimento, me deu outra chance. Fez coisas que só Deus pode fazer, me deixou ouvir o que o coração da minha mãe tinha para me dizer... Aquela que hoje me vê e não me enxerga, pergunta quem eu sou, não se lembra de ter me alimentado em seu ventre, me reconheceu, me ouviu e me respondeu. Bem... Ficamos horas na UPP, minha mãe foi medicada, as tropas inimigas recuaram e bons anjos montaram guarda em torno de sua cama. Ela se recuperou e a levamos de volta para o asilo onde se encontra até hoje. Posso não saber como são seus pensamentos com tão avançado estágio do Mal de Alzheimer, como ela se vê, que tipo de consciência lhe resta; mas eu sei que sentimento ela tem por mim guardado no fundo do seu coração, porque ela me disse. Ela ainda se encontra presa em seu corpo desgastado aguardando a liberação de Deus para cruzar o mesmo rio e encontrar o seu amor na outra margem, seus pais, seus irmãos... Esse será meu único consolo. 
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Foi isso que aconteceu comigo no início deste ano, amigo, vou para por aqui, chorar dá muito sono... 
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Aprendi levando muita porrada que mesmo estando sozinho, sem munição, ferido e cercado pelos índios, a trombeta da 7ª cavalaria vai soar e Deus virá para me resgatar das minhas aflições. 
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Por isso eu sou cristão. 
.É um plano de vida que nunca falha.

Ricardo Cacilias
Dedicado a menina da aula de química

4 comentários:

Anônimo disse...

Mais uma vez obrigado por vc existir.
RC

Ricardo Cacilias disse...

Obrigado pelo carinho das suas palavras.
Foi o texto mais doído que escrevi.
Estou desde janeiro para fazê-lo, foram
dois dias escrevendo e reescrevendo...

passarinha disse...

tocou meu coração, e com certeza de muitas pessoas que, que já
passaram por isso. Tudo é um aprendizado e no fundo a única
sentimento que deixamos na vida é o amor. Obrigada :)

Ricardo Cacilias disse...

Concordo plenamente.
Obrigado por ter vindo.