Meu Blog

A eternidade é o
momento que se renova

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Conhece a ti mesmo
γνωθι σεαυτόν
γνωθι σεαυτόν


sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

UMA HISTÓRIA DE MENINO


Baseado em fatos reais




Quando eu nasci meu pai tinha 30 anos. Ele sempre foi muito reservado, não era dado a "espumas", não espalhava seus "confetes" e não apreciava a exposição; os portões da sua intimidade sempre foram pesados e de pouco acesso...
        Lembro de uma  história que ele me contou no verão de 1967, e que sempre me ajudou a entender um pouco esse homem que, de uma única célula de seu corpo me fez existir e de mim vieram meus quatro filhos e depois outros quatro netos... Era manhã de domingo e morávamos no quarto andar de um prédio antigo no Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro. Ele havia me dado, na noite anterior, uma caixa de bombons, mas eu estava chateado porque minha mãe havia "confiscado" a minha caixa e me dera apenas um bombom. Ela me disse que de vez em quando eu poderia ganhar outro; desde que eu fizesse por merecer, fosse obediente e não brigasse com meus irmãos... E guardou a caixa de bombons em local incerto e não conhecido. Aff... Coisas de mãe.


Eu estava deitado em minha cama, terminando de mastigar compenetrado meu bombom, enquanto que a folha de alumínio em minhas mãos refletia a luz de uma janela próxima, em meu rosto... Meu pai passou pelo corredor, parou em frente à porta do meu quarto e perguntou: "Estava bom?" Devolvi um olhar enfadonho e disse: "Quero mais..." Meu pai apenas respondeu: "Isso é com sua mãe, não vou me meter nisso." Voltei meus olhos para o papel de alumínio amassado, pensando em lamber a mancha de chocolate que estava nela. Meu pai deve ter ficado com pena de mim, entrou no quarto e sentou-se na beirada da cama. De súbito seu rosto foi se pondo como um Sol de fim de tarde, e com ares de quem se lembra de alguma coisa, disse: "É melhor ter um bombom de vez em quando do que perder todos de uma só vez..." Olhei para ele sem entender porque tinha dito isso, e ainda olhando para o mesmo ponto distante, muito além do meu quarto, ele continuou: "Eu tinha a sua idade quando uma vez seu avô foi me visitar no colégio interno em que eu estudava e me trouxe uma caixa de bombons." Tempos depois fui saber que isso aconteceu em 1936 e nessa época meu pai também tinha 8 anos. Ele estudava num colégio interno onde permanecia o mês inteiro e saía apenas dois fins de semana para ir em casa. Minha avó havia morrido em 1930 e com apenas 2 anos meu pai perdeu sua mãe; eu nunca conheci a minha avó e ele nunca teve muita coisa para me contar sobre ela... O que mais me incomoda nessa conversa que tivemos é que minhas lembranças estão fragmentadas, e infelizmente não tenho mais a quem perguntar os detalhes, porque todos os envolvidos já se foram; então, ao longo dos anos eu fui preenchendo em minha mente as lacunas esfumaçadas dessa conversa... Até onde me lembro da história, à visita do meu avô, naquele domingo, teve um momento diferente e marcante: ele levou uma caixa de bombons para meu pai. Era uma caixa de bombons diferentes de hoje em dia, a caixa era de madeira da marca Moinho de Ouro e provavelmente fora comprado na Av. Rio Branco, no centro de um Rio de Janeiro dos anos 30... Naquela época não era comum dar bombons para crianças, por isso esse presente foi tão especial, ainda mais por ter sido dado pelo seu pai. Consigo imaginar quantas saudades, quantos vazios, quantas "faltas" rechearam o coração desse menino; longe de casa e longe do amor de uma mãe. De certo aqueles dias refletiram nos alicerces da sua vida. Os outros meninos que estavam no pátio viram ele receber a tal caixa de bombons e quando o horário de visita dos internos terminou, e meu avô foi embora, sua maior preocupação era proteger seus bombons, já que os armários eram sem chave e os quartos eram coletivos... Nesse ponto da história meu pai já tinha toda a minha atenção, eu estava virado para ele, sentado sobre o colchão da cama com as pernas cruzadas e meu queixo apoiado sobre minhas mãos. Minha imaginação de criança ia criando as imagens de tudo que ele me contava, e ao mesmo tempo pensava no que eu faria se estivesse no lugar dele. Eu era um menino "bobinho" cercado de todos os cuidados de uma mãe e de um pai muito presentes, ainda não tinha o jogo de cintura que a vida foi me esculpindo na alma e nem a perspicácia de um menino que crescia sem mãe, morando num colégio interno e longe de todos os cheiros que nos fazem sentir em casa. Ele disse que enquanto subia a escadaria de madeira, que o levaria até o seu alojamento, teve uma ideia. Passou correndo na cozinha do refeitório e conseguiu alguns barbantes que se usava na época para amarrar o pacote do pão; eram fios de algodão fino e comprido. Ao chegar em seu quarto ele arrebentou com as mãos diversos pedaços de barbante e entrou para debaixo da sua cama com os barbantes e a caixa de bombons. Debaixo da cama ele foi amarrando cada bombom a um fio de barbante e depois foi prendendo, um por um, nas molas do estrado do colchão; quando terminou sua tarefa, seus bombons balançavam alegremente como se estivessem felizes e surpresos por tão inusitado destino. Sentindo-se seguro e satisfeito com seu plano, meu pai saiu de debaixo da cama e se certificou que ninguém havia visto nada do que fizera. Meus olhos estavam sobre meu pai, mas o meu entendimento estava nas imagens que eu assistia durante o seu relato; eu imagino meu pai menininho, deitado debaixo da cama, polindo o chão com as costas da camisa, amarrando os bombons nos fios de barbante de pão, com seus dedinhos movendo-se apressadamente, acompanhado apenas por um coração palpitante e um par de olhos serenos do seu anjo guardião. Naquela noite ele foi para a cama satisfeito, ainda que por causa da pressa, não tenha comida nenhum bombom, era seu tesouro particular; o único menino daquela instituição que tinha bombons escondidos em local incerto e não conhecido... Na manhã seguinte, nos primeiros lampejos de luz e antes que qualquer um tivesse acordado, meu pai escorreu por entre lençóis para debaixo da cama para comer seu primeiro bombom... e para sua mais absoluta surpresa, todos os bombons haviam desaparecido! Não havia nada além de barbantes amarrados à papéis destroçados. Um cemitério sem almas... Fiquei de olhos arregalados e de boca aberta ao ouvir tal desastre, sentia como se eu estivesse ali com ele debaixo da cama, atônito, sem respostas,  desamparado, longe de casa e cercado de estranhos. Eu nem piscava, apenas acompanhava o movimento dos olhos do meu pai enquanto relembrava aquele momento... Não sei se meu pai chorou, não sei se xingou, não lembro o que ele me contou ter feito em seguida. Que pena! Talvez tenha sido o efeito que essa estória produziu em mim, mas até hoje sinto uma sensação forte de ter visto nos olhos do meu pai, entre um piscar e outro, o mesmo olhar de tristeza e frustração que aquele menino de oito anos sentiu. Por um instante fomos dois meninos deitados debaixo da cama, abafando o choro, sem ter para quem pedir amor e colo; ele nunca soube, mas eu estava ali com ele em espírito... Meses se passaram até que um dia, após o almoço e no pátio da escola, um menininho como ele, também longe de casa e vivendo entre estranhos, se aproximou de meu pai e disse que queria lhe contar uma coisa: “Gelson, eu vi quando você ganhou os bombons do seu pai naquele dia... Esperei que todos fossem dormir e fui procurá-los em seu armário... Estava muito escuro, eu não conseguia ver quase nada e revirava tudo sem fazer barulho. Até que você se mexeu, enquanto dormia, e me assustei, fiquei com medo de ser visto, me escondi debaixo da sua cama e bati com meu rosto nos bombons. Fiquei ali até comer o último...” Meu pai não brigou, não disse nada... O que poderia dizer? Apenas se afastou, talvez com uma certa paz de ter descoberto o que havia acontecido, talvez com alguma compreensão de saber o que aquele menino também sentia por viver ali..., mas tudo aquilo não deixou de ser uma lição para a vida. Até onde me lembro à história termina aqui! Às vezes acreditamos ter as coisas sob controle e achamos ter amarrado muito bem nossos valores no lugar mais seguro do mundo e bem debaixo do nosso nariz... Às vezes bastam apenas algumas horas de uma noite qualquer e acordamos despidos desses valores sem encontrar uma explicação lógica para tantas perdas. Eu tiro disso uma lição, que nada na vida é uma certeza absoluta que não mereça constante cuidado e atenção. As vezes ficamos tão concentrados nos "barbantes" e nos esquecemos da qualidade dos nós que estamos lhes dando. Meu pai morreu em 1989 e de vez em quando me lembro dele e às vezes dos bombons que roubaram da gente; e por mais que eu tenha revirado por semanas a minha casa, eu nunca achei o lugar em que minha mãe escondeu a caixa dos meus bombons..., mas eu comi todos eles.




30-12-2011





Singela homenagem ao melhor cara que o
infinito abrigou em toda a sua extensão desde 
aqui até a mais distante estrela do Universo:
Meu Pai!


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

NATAL DE NOVO!!!



Neste fim de tarde voltei para casa em meio a um trânsito absolutamente caótico e intrafegável... Filas sem fim de carros dispostos um atrás do outro, com seus motores quentes e mal humorados, habitados por pessoas de olhares "zumbilescos", encobertos pelas cascas dos vidros e suas películas escuras... Com minha lambreta deslizo a 30, 40 km por entre um milhão de almas agarradas em seus volantes, de ar ligado e música alta. Ultimamente tem sido o melhor momento do dia, deslizar por entre almas encarceradas, essa visão me faz sentir uma poeira livre no Universo. É o meu primeiro Natal divorciado, preciso reconhecer que gosto da minha companhia, mas ela não me basta; dessa forma, na medida em que o Natal se aproxima, lamento não estar em janeiro... Há 32 anos eu tinha um propósito, queria ter uma família e filhos em minha volta. Fiz tudo que sabia e que poderia inventar para que fosse assim... E cheguei até aqui, vou passar o Natal com meu laptop e uma tela de 24" como companhias. Em nove dias será natal, tive 52 em minha vida, com muita ajuda minha, esse será o mais triste deles... Eu esperava mais de mim. Quando alguém me decepciona sei trata-la na medida dos seus desacertos, mas como devo absorver minhas decepções? A última vez que tirei uma foto ao lado do Papai Noel eu tinha 4 anos, e hoje de tarde tive a oportunidade de tirar outra. Conversei com o Papai Noel do shopping e menti descaradamente, disse que era para enviar uma foto para meu netinho... O idiota do Noel acreditou e saímos sorrindo na foto... Seria patético se não fosse triste. 
Nada como um Natal após o outro. 


15-12-2011




segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O DONO DE DEUS...



Boa noite meu amigo. Nos anos 70 tínhamos dois seriados de TV que competiam entre si: Jeane é Um Gênio e A Feiticeira. Nossa isso faz muito tempo!... Lembro do primeiro filme da Jeane, o major Nelson andando por uma praia deserta acha a “lâmpada mágica”, esfrega e a Jeane, aquele mulherão maravilhoso aparece diante dele no meio de uma nuvem de fumaça rosa o chamando de “amo” e que ela estava ali para realizar todos os seus desejos... Os anos 70 eram muito loucos!!! Eu sempre considerei esse major Nelson o maior bundão do planeta, mas não quero seguir por esse atalho... Você pode achar uma “lâmpada mágica” e ser dono de um gênio, você pode ganhar na mega sena e você passa a ser o “gênio”, você pode ser um empresário dono da Microsoft, você pode descobrir uma fórmula mais poderosa do que a da coca-cola... Você pode ser tudo que a sua imaginação conceber; mas quem vai além? Quem ultrapassa as cercas da fantasia e consegue imaginar alguém dono de Deus?? Eu era adolescente quando li em algum lugar que nos anos 50, apareceu pichado no metro de Nova York a seguinte frase: "God is dead!" "Deus morreu!” Logo a baixo estava escrito “Nietzsche” (Filósofo alemão nascido em 1844 e morto em 1900 aos 55 anos). No dia seguinte outro texto estava escrito abaixo deste: "Nietzsche is Dead!!" “Nietzsche morreu!” Assinado: Deus. Sempre achei saborosa essa estória. Deus estaria morto? Seria essa a razão de não falar mais conosco como lemos no antigo testamento? Teria Deus se ocupado com outros assuntos e se distanciado de nós? Eu estava hoje mais cedo na fila do Itaú para pagar o asilo da minha mãe, a fila era longa e no exercício da espera, além de ficar vendo moscas voarem e encarar a luz da lâmpada fluorescente sobre minha cabeça, tive um mal súbito de questionamentos: Deus está vivo? Deus é branco? Deus é mulher? Deus é judeu ou muçulmano?  Deus é um conceito emocional que justifica os mistérios? Deus é a palavra onde me abrigo dos sortilégios? Deus é uma variante psico/emocional que recorro na ausência de uma substância ao meu socorro? Deus é uma bengala?? Deus tem dono? Deus é uma doutrina, uma igreja, um grupo de pessoas...? Vou juntando pensamentos sobre letras e palavras na esperança de brotar qualquer luz que me aqueça as 23:45 deste fim de dia. Esse assunto “Deus” já matou muita gente ao longo de centenas de anos, desfez reinados, subjugou povos, escravizou multidões... Em nome de Deus atitudes satânicas obtiveram plenos poderes para “ajustar” as coisas a sua “divindade”. Aquela minha amiga judia não fala mais comigo depois que eu disse a ela que era judeu também, a partir da premissa que se Jesus era judeu, pelo amor a ele, assim me considero... Ou seja, em outras palavras, as cores do mapa perdem sentido quando você enxerga as pessoas como elas são: assustadas e aflitas para serem felizes e respeitadas assim como desejo... Eu escrevi um texto há um tempo atrás pedindo perdão aos judeus por atitudes, pensamentos, bobagens de uma ignorância absorvida nas entrelinhas de uma nação subdesenvolvida como é o Brasil. Fui um pouco mais a frente e pedi publicamente perdão aos gays e a todos aqueles que desdenhei por manifestarem uma crença e um entendimento das coisas diferentes dos meus. Isso inclui até os argentinos... A “verdade” é um prisma multifacetado... Algumas pessoas enxergam grandiosas coisas, mas por uma pequena fresta da porta e na cegueira de suas almas subnutridas, catam pedras do chão aguardando um embate, temerárias deste mundo ácido, agressivo e competitivo! Pedras são lançadas como balas de uma metralhadora, varrendo em sua volta qualquer tipo de aproximação ou de junção. Afastam a pluralidade como quem enxota as moscas. Meu “crachá” não me habilita, minha senha não me identifica... Imagino que se houvessem seres de outro planeta e resolvessem atacar o nosso planeta, estaríamos perdidos... Somos divididos! Somos retalhados por subconjuntos de crenças, de cores, de direções... Nós somos um bando de merdas rastejantes, nos odiamos, não nos aceitamos e ficamos em nossas trincheiras até a morte!!! Não sei quem é o dono de Deus, mas tenho roubado essa franquia, tenho usado Deus sem pagar os royalties a quem é de direto. Hoje mesmo fiz uma ligação “clandestina” para Deus, ele chegou a se assustar, eu estava usando uma linha particular de outra denominação... Deus foi dividido entre as crenças, foi rotulado, etiquetado, recebeu até um código de barra... Eu já disse isso uma vez aqui nesta tribuna e vou repetir: não existem duas igrejas cristãs que contam a mesma história. Então a conclusão é que apenas uma igreja será salva, talvez por ser a campeã em interpretação bíblica, e todas as outras restarão apenas um lugar quente e distante pra viverem a eternidade. É isso? Fim? Apesar de ter ofendido a delicados conceitos e sentimentos de alguns “cristãos” por ter dito que Deus é meu amigo... Vou continuar sistematicamente a ofendê-los de maneira gospel, mas não abrirei mão desta amizade! Deus é meu amigo! Justificado por minha fé, por minha humanidade seca por seu amor, por minha clarividência insipiente... Tenho nojo dos donos de Deus. De suas frases de efeito, de suas citações bíblicas, de seus conhecimentos, de suas autoridades, de tudo que se resume em cercas em terno do Seu nome... Apesar de ser apenas um caboclo de olhos verdes de mediana cultura, afirmo categórico: para ser amigo de Deus basta apenas SER! Não serei cuspido, rejeitado, ignorado, antes porém, me deleitarei como parte deste corpo divino. Daqui a poucas horas meu despertador vai tocar, mais uma segunda-feira para “tocar” o gado dos investidores... Estarei altivo, de banho tomado, perfumado e feliz; nesta briga da vida, meu “campeão” é Deus!  

Ricardo Cacilias
         12-12-2011

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

ASSISTINDO TEU SONO PROFUNDO...

Hoje faz exatamente 1 ano que rabisquei num papel como foi ter despertado no meio de uma madrugada quente e perdida entre outras madrugadas que não despertei... O tempo não esmaeceu nenhum detalhe, sinto tão vivo como se tivesse acontecido agora a pouco. Garimpando minhas pastas empoeiradas, surgiu esse texto escrito numa folha amassada. Agora também é madrugada do dia 07 de dezembro de 2011, mas hoje em nada lembra aquela noite...


Numa dessas noites quentes de verão, despertei alheio a motivos, tão suave e infiel, que fui juntando meus pedacinhos para perceber que estava acordando. Voltei daquele lugar que nos refugiamos quando não estamos vivos, onde posso voar, gritar e andar nu pelas ruas da fantasia... Ainda bêbado do sono que me devorava, ignorei o relógio, não me interessei em saber a que horas andava o tempo. Na verdade cheguei a me deleitar com essa ignorância, pois aquele que me comanda o dia, ali, no canto, calçado de sombras, era apenas um vulto desalinhado despido de importâncias. Assim devem viver os anjos, sem o tempo a envelhecer suas asas, sem os ponteiros espetando suas almas. Apenas existem! A madrugada tem luz própria, alguma lua se espelha nas nuvens e estas dividem seu sorriso com a penumbra; não senti o bem nem o mal, só me senti parte de tudo aquilo. O relógio baixinho roncava seus tic e tacs; o coitado também se entregou ao sono. As águas do oceano, que se aqueceram durante o dia, tragavam o ar mais fresco da costa, e nesse caminho de fuga uma brisa fresca invadiu o quarto com um único propósito: mexer nos cabelos da mulher que adormecia ao meu lado. Foi para isso que os anjos me acordaram? Para ver seus cabelos caírem em seu rosto? Alados travessos... Meus olhos deslizaram para a janela e pude ver milhões de estrelas, e mesmo sabendo que a muitas delas já estão extintas, naquele instante e só pra mim, a luz desses vagalumes me fizeram companhia. Um movimento inocente do seu corpo atraiu minha atenção e sem pressa, olhei cada detalhe das suas curvas e de suas dobras e te desejei. Assistindo teu sono profundo, sua respiração era a música que fazia seus seios dançarem, desenhos indefesos que me aliciavam e me umedeciam a boca. Em meio ao silêncio distante e esquecido que só a madrugada produz, contemplei teu rosto; sereno, sem emoção, sem riso, sem raiva, apenas sono. Pude te olhar seguro que não me perguntaria “porque me olhas?” Senti tamanha satisfação nesse anonimato, um particular amor da intimidade inconfessável dessa hora. São lembranças que me transbordam a alma; momentos, filmes dos nossos dias, nem todos tão bons, nem todos tão ruins, apenas dias. O sono veio reclamar seu direito ao meu corpo, não iria partir sem antes cheirar teus cabelos como a uma flor e beijar tua boca como um ladrão; um beijo que tive estrelas mortas como testemunhas. A vida é terra nas botas de quem caminha. Agora, pensando nisso tudo, nem sei se de verdade acordei naquela noite ou se fui uma vítima da magia dos meus sonhos. Ainda confuso me resta à sensação de que numa madrugada, de uma noite de verão, roubei um beijo da tua boca e este eu nunca vou devolver...
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07-12-2010





Eu escrevi esse texto há muitos anos, tantos que nem sei. É como um confessionário do que fiz, o roubo de um beijo sem presenças, tendo apenas as sombras das paredes como testemunhas. Ela mesma nem sabe dessa história... Às vezes eu acordo no meio da noite, bebo água, fecho a janela se está frio ou escancaro se me abafo com os humores do ar. Numa noite antiga, que os dias colocaram lá atrás na fila da continuidade, acordei, olhei sonolento pra ela, olhei lá pra fora para um céu borrado de estrelas que só aparecem no verão, cheirei seus cabelos, beijei sua boca e voltei a dormir; coisas de marido que as esposas não sabem que passam. Vocês mulheres, tão ávidas em querer saber tudo, controlar tudo, quando dormem são apenas encantos embrulhadas em sonhos, tão lindas e frágeis, cativas de olhares furtivos do homem que respira o seu ar... O tempo passou, algumas estrelas se apagaram, o amor se desmaterializou, a cama e a janela não existem mais, o que sobrou, na rede que puxo dessa vida, são dois filhos lindos, lembranças dos dias que sorrimos e dos que nem sorrimos tanto assim... A vida é como um caminhar nas margens do rio, vamos recolhendo pedrinhas pelo caminho, a maioria não lembramos onde guardamos, mas umas aqui, outras ali, ficam mais vivas na lembrança, ainda que sirvam apenas como pesos sobre papéis onde escrevemos os nossos dias.
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Macaé, 25-04-2017

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O CARA!!!


Boa noite amigo. Agora o relógio do meu computador marca 23:37min. Depois de um longo dia de trabalho achei que iria chegar em casa, afrouxar o coração, fumar meu cachimbo, tomar aquela vodca polaca com gelo grudado no gargalo, ouvir umas baladas dos anos 70, talvez falar das coisas que tenho saudade, talvez chorar a saudade dessas coisas, largar meu corpo sobre a cama, relaxado, tendo poupado R$ 200,00 de consulta com um analista próximo de casa... Porra nenhuma!!! O universo me pertence depois que os filhos dormem... Meu filho mais novo está em crise... Caralho!!!! Ele não sabe o que é uma pensão alimentícia para falar de crise!!... Perdoe-me o palavreado. Estou cansado!... As pernas vão, a mente grita: vai, vai! O peito se enche de ar. Os braços erguem as mãos que apertam os botões... Mas não há sabor nesse prato frio que se come da mesma forma todos os dias... Tem uma música do Djavan que na letra fala: "Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar... Sabe lá..." Estou sem carinho de mulher, sem sexo, estou só... As "primas" que me perdoem, mas o que me distingue dos animais é o amor... "Quer falar de “crise”???" Perguntei a ele: “Está com problemas na escola, está fazendo terapia para entender seus problemas??? Você acha que é o único que tem problemas??? Você acha que amo todos com quem trabalho? Eu saberia dar uma função melhor aos meus dentes do que sorrir para quem não suporto... Eu saberia fazer algo melhor do que ter que ir todos os dias ao trabalho enquanto o mundo está lá fora me chamando para conhecê-lo... Quando sei que não tenho vida suficiente para conhecer um terço do que gostaria, ainda que saísse agora, correndo... Se paro agora... amanhã a panela estará mais vazia do que suas frustrações... Frustrações!?!?!... Quer falar de frustrações??... Como todos os dias frustrações no café da manhã..." Ele ficou me olhando com a boca aberta... Merda! Não é a melhor opção desabafar com um filho, ainda mais se ele só tiver 18 anos. Respirei fundo, veio um silêncio sobre nós, olhei para meus sapatos que precisam de graxa, e disse a ele: "Vai tomar um banho quente, filho... Vou fazer o jantar!" Ele se virou calado e foi pro banheiro... Fiz macarrão com bife acebolado. Fatiei a cebola em rodelas finas, derreti duas colheres de sopa de manteiga, joguei a cebola, inclinei a frigideira e fui mexendo, uma pitada de orégano, três gotas de alho líquido, uma raladinha de nós moscada... estava irritado comigo mesmo por ter falado mais como um cara do que como pai. Quem sou afinal? Pai? Cara? Homem? Sou a mesma pessoa que fui a minha vida inteira, mas aprendi a conviver com meus arreios; com minhas limitações e a conviver com aqueles sonhos que nunca terão as cores da realidade... Nos sonhos as cores são borradas!!! Jantamos em silêncio um de frente para o outro e ele comeu tudo, depois repetiu de novo... Minha comida devia estar boa! A coisa é assim: ou você não tem filhos e passa a sua vida pensando como seria tê-los ou você tem filhos e passa a sua vida pensando o que faria se não os tivesse... No final do nosso jantar disse a ele: "Você só tem essa semana para terminar a escola, faz as aulas de recuperação dessas matérias e depois é férias... As coisas nem sempre são tão boas que não se possa chorar ou tão tristes que não se possa sorrir. Os dias vem e vão, mas procure não perder o foco do que é importante e não deixe de esticar o pescoço para descobrir coisas novas lá na frente..." As vezes acho que ele me escuta falando grego, e nem sempre estou com "saco" para me traduzir... 
Não tenho lido jornais, mas lembro que antigamente havia uma seção de Desaparecidos, Sumidos, Abduzidos... Sei lá! Será mesmo que todos foram levados por alienígenas? Será mesmo que todos foram raptados para que seus órgãos fossem retirados para o mercado negro internacional? Será mesmo que todos morreram e foram enterrados como indigentes??? Será mesmo que o extraordinário os absorveu...??? Será mesmo??? Ou seus pés cansados levaram seus corpos cansados para o nordeste começar vida nova a beira de um mar azul da cor do céu??? Para ter suas orelhas aquecidas por um par de seios de uma linda cabocla, de pouca cultura, fascinada pelo seu palavreado cortes e educado??? Onde habita a coragem? Nos que se amochilam de esperança e vão ou nos que se amordaçam e ficam nas torres de arma em punho enfrentando os inimigos até a secura de suas peles??? Acabei naquela noite fumando mecanicamente meu cachimbo, tomei minha vodca pura, não ouvi as baladas dos anos 70, não chorei de saudade e vou para cama preocupado de acordar amanhã cedo, pois tenho uma pilha de sorrisos que não quero dar para distrubuir por ai...  e minhas mãos fedem a cebola... Hein? O que você disse? Quem? O Felipe? Está dormindo de barriga cheia na sala... Estava assistindo um filme... Vou deixá-lo ali mesmo e jogar um cobertor por cima...

Até a próxima... Se eu não for “abduzido” antes... 


Ricardo Cacilias


sábado, 3 de dezembro de 2011

20 ANOS COM VOCÊ...

Estou feliz, hoje é dia dois de dezembro de 2011 e minha filha Thaís está fazendo 20 anos. Quando coloquei aquela velha mochila nas costas e disse para meus pais que iria ganhar o Mundo, não pensei que viria até aqui rolando ladeira abaixo, fingindo estar sobre o controle de tudo, fazendo caras e caretas de que eu me ordenava, enquanto enchia a boca de gramas e cascalhos... Nós escrevemos o nosso destino, mas é Deus quem autoriza o roteiro. Entre as idas e vindas da minha vida, consegui esticar meus braços e colhi 4 estrelas do céu; a cada estrela dei um nome: Renata, Marcelo, Thaís e Felipe. Fico pensando se depois de tantas escoriações, se depois de tantas mochilas aquecerem minhas costas, como seriam minhas noites sem as luzes dessas estrelas? Quando a gente cresce a roupa vai apertando, não dá mais para vesti-la, mas sinto saudade de ser filho, sinto saudade de meus pais, sinto saudade de suas vozes me chamando, sinto saudade de como era a minha vida antes de resolver ser abusado e querer me vestir de adulto. Hoje, no aniversário de 20 anos da Thaís, lembrei dos meus pais e chorei. E
Thaís
pensava ser o senhor da minha vida, mas reconheço hoje que o senhor da minha vida é o Deus que me habita. Uma vez assisti a um filme com uma cena de atropelamento, em algum momento da vida daquela pessoa, durante uma caminhada, ela esbarrou-se com a morte vigilante. Logo após o acidente, o filme para e retrocede 10 minutos e, passo a passo, são mostradas diversas situações que teriam impedido aquele atropelamento: ao chegar no elevador a pessoa o encontra repleto, poderia ter aguardado o seguinte mais vazio, ao invés de ter se espremido; ao chegar na portaria vinha chegando uma senhora com bolsas, ao invés de segurar a porta e deixar a senhora passar, a pessoa apressa uns passos e sai antes da senhora chegar; já na rua alguém pede uma informação e ao invés de parar, de ser solidário, apenas emite uma resposta curta "não sei onde fica..." e se afasta apressado. Qualquer um desses momentos faria a pessoa se atrasar um minuto no encontro com a morte, teria a visão do carro que a mataria, passaria em sua frente e se afastaria... Um desprezível momento e toda a sua vida muda. Tenho procurado viver intensamente essas desprezíveis frações de segundos, porque a vida é preciosa e não pode ser refeita. Hoje acordei cedo e me lembrei do aniversário dela. Pensei: "O que vou fazer para que ela saiba que hoje é um dia especial para mim?" Eu nunca havia dado flores para  a
minha filha... era 
isso, então, que eu iria fazer! Flores não têm vida longa, mas às vezes vivem para sempre. Eu queria me sentir especial para dar aquelas flores; tomei um longo banho, coloquei uma camisa nova, usei meu tênis bonito da Mr Cat, coloquei meu perfume preferido em volta do pescoço e ajeitei meu cabelo, puxava uns fios pra lá e pra cá sobre a testa para dar um ar jovem e natural... Cara, como sou ridículo! Tem uma floricultura na Farme de Amoedo, em Ipanema, que vende umas rosas colombianas que se abrem lindas e duram mais tempo. Parece que o português cobra o valor das flores e as passagens do avião que as trouxe ao Brasil. Fui entrando e dizendo: Hoje é o aniversário da minha filha! Vim comprar flores!” Eu parecia meio abobado de alegria por estar fazendo o que estava fazendo. Fui atendido por uma vendedora, que me sugeriu: "Dê rosas rosa misturadas com essas rosas lilases." Nossa, pensei, eu nunca tinha visto uma rosa lilás, era lindíssima... 
"Gostei! Quero meia dúzia de cada..."  Sobre o balcão havia um cartão branco para escrever alguma coisa. Era um cartãozinhozinho, escrever o que quando se tem tanto para dizer? Fui criativo: "Feliz aniversário filha. Te amo. Papai." Peguei as flores, coloquei no meu colo, sentei na moto e fui para a casa da sua avó. Ao chegar, interfonei e pedi que ela descesse. Escondi as flores atrás de uma coluna de sustentação do prédio e esperei. Thaís chegou com seu sorriso na frente, lhe dei um longo abraço e um beijo: "Feliz aniversário, filha!" Ela sorriu. "Obrigada, pai!" Perguntei se teria “festa” mais tarde, ela disse que iria num bar com o Felipe, meu filho, primos e uns amigos. Meio sem saber o que dizer, disse qualquer coisa para dar continuidade à conversa: "Estou convidado? Posso ir?" Falei por falar... Ela disse rindo: "Naaão, pai! Não chamei nenhum velho, nem a mamãe vai..." Ai! Com essa, minha franja ficou desarrumada! Ela está linda com aqueles zoião que eu tão bem desenhei.Lembrei que tinha que trabalhar, puxei as flores de trás da coluna e disse: 


"São pra você..." 

As flores e a passagem de avião ficaram baratas, meu presente foi assistir a sua expressão de surpresa, ver refletidos em seus olhos as rosas que eu segurava em minhas mãos. Thaís abraçou as flores como quem abraça uma criança e o som do papel laminado se dobrando parecia fogos de uma noite estrelada de São João. Eu me senti o maior "cara" do mundo! Nos beijamos, subi na moto e continuei rolando ladeira abaixo, gastando a gasolina pelos caminhos da vida... 
Essa noite resolvi festejar seu aniversário, escrevendo esse texto para dizer como ela é importante pra minha vida... 


Feliz Aniversário, filha.
                 02-12-2011





segunda-feira, 28 de novembro de 2011

UM CORAÇÃO CEGO...





Eu estava na sala passando umas camisas com o rádio ligado, era quase 9hs da manhã; parei por uns instantes o trabalho que estava fazendo no computador. Um som metálico rasgou a fechadura e a porta da sala abriu, era Isaura, o anjo que trabalha aqui em casa. Quando ela me viu com o ferro numa mão e uma camisa na outra, perguntou: ”Está querendo roubar o meu emprego?” Gosto desse humor sarcástico que ela faz as vezes, não evitei o riso e respondi: “Bom dia pra você também Isaura, até que não seria mal um dinheirinho extra... E rimos juntos. Um pensamento inesperado fez os músculos do meu rosto se agruparem novamente e desfez o meu sorriso. Falei num tom pausado e impessoal: "Tem coisas que me provocam o pensamento: passar roupa e correr na esteira da academia, por exemplo. Eu estava trabalhando quando me deu saudade da minha mãe... Ela costumava passar pilhas das nossas roupas com bom humor, cantava as músicas da Dalva de Oliveira, Maysa, Ângela Maria... Ai resolvi matar saudades dela, vim passar algumas camisas" Isaura, no seu silencio discreto de sempre, apenas me olhou com ternura. Ela pendurou a alça da sua bolsa numa cadeira próxima e foi pra cozinha fazer um café pra nós. Há uns anos iniciei um trabalho de reflexão sobre meus valores humanos e espirituais; estava receoso, mas confiante em “destrancar” algumas portas e me conhecer melhor. Na cidade de Delfos, na Grécia antiga, havia um templo dedicado ao deus Apolo e sobre o portal de entrada tinha uma frase atribuída ao ateniense Sócrates que dizia: “Conhece a ti mesmo"*. Não é fácil se despir das carnes que vestimos, caminhar alguns passos à frente e voltar nossos olhos para nós mesmos, para o nosso mais profundo íntimo, onde não existe "máscaras" e nem o "faz de contas". Lembro que no início eu parecia o advogado de mim mesmo, cheio de palavreados a defender meus erros, justificar minhas ações e com uma mão cheia de dedos acabava tentando transferir para os outros a responsabilidade e os motivos dos meus atos. Não é fácil! Conhecer a si mesmo é como navegar por um mar que se aprofunda quanto mais nos afastamos da praia da rotina segura e hipnótica. Fui por muitos anos um arrogante educado, uma pessoa de janela pequena, de conceitos amarrados, de visão embaçada, musculatura do coração atrofiada, algo meio mesquinho, parado no sinal vermelho das descobertas enquanto a gasolina do tempo não era usada para correr na direção do crescimento pessoal e espititual... Muitas vezes crescemos na dor, o rasgo que expõe a semente sob a terra, é dolorido, a golfada de ar nas asas do primeiro voo, é dolorida, nascer dói, crescer dói também... Eu estava na minha terceira camisa, Isaura entrou na sala com uma bandeja e duas xícaras de café; apoiou sobre a mesa e disse: “Hora do descanso, toma um cafezinho...” Sentei na cadeira próxima e ela na outra em frente. Depois de dois goles em silêncio e ter suspirado os vapores do café, eu disse: “Há muitos anos eu trabalhei numa grande empresa mobiliária no Leblon, certa vez um cliente solicitou um projeto para sua sala. Era um rapaz jovem, moreno, magro, educado, bonito, trabalhava como modelo profissional, me lembra um pouco meu filho mais novo hoje... Isaura olhou para dentro da xícara e deu mais um gole de café sem se manifestar. Fechamos o negócio, o projeto foi entregue e montado em sua casa. Três meses depois recebi um recado que esse rapaz havia ligado para a empresa e pedido que eu fosse a sua casa tirar algumas dúvidas, talvez até um complemento desse projeto. O detalhe do recado era que ele havia desenvolvido uma herpes ocular e tinha ficado cego... Cego? Perguntei surpreso para a recepcionista da loja. "Não pode ser! Não tem nem três meses que estive com ele. Estava bem, havia comprado seu apartamento, estava animado, trabalha como modelo... Como assim ficou cego?!" Minha capacidade espremida de entender os movimentos do Universo não me ajudou muito. Senti medo! Medo de contrair a sua doença, medo do "castigo" que um “deus” maldito e ignorante submeteu aquele rapaz gay. Meus preconceitos escreveram longos textos nas páginas da minha razão, que legitimavam minhas covardias... Virei pedra e disse as pessoas em minha volta: Eu não vou! Nem pensar...” Nisso, uma colega do trabalho que estava próxima e ouviu a conversa, disse: “Tudo bem, Ricardo, deixa que eu vou na casa do seu cliente, tiro as dúvidas dele...” Meus olhos se voltaram para ela como a mira de uma arma, sua disposição em ir até lá denunciou minha covardia para mim mesmo. Fui tomado de grande espanto por essa atitude desprendida, mais do que isso, suas palavras caíram sobre mim como um balde d’água gelada cheio de pedras de gelo... e eram pedras grandes! Nossa! Não era seu cliente, não era assunto seu, ninguém iria cobrá-la por não ir; por que isso? E suas palavras ficaram dançando em minha volta: “...Deixa que eu vou!..." Cai em silêncio e me fechei num constrangimento inconfessável. Ela foi e voltou, não contraiu herpes ocular até hoje e isso foi há mais de 15 anos. Hoje, quando me lembro dessa história, ainda sinto vergonha e arrependimento. Se todos em minha volta tivessem ficado de boca fechada, se o habitual descompromisso que temos uns com os outros tivesse ocorrido como sempre, teria ficado tudo "bem"!! Mas essa mulher resolveu reagir como um sal de frutas na água quente e transbordou dizendo: “...Deixa que eu vou...!” Chamou para si a responsabilidade de fazer o que era certo. Nem lembro do seu nome... Isaura, eu queria pedir perdão aquele rapaz, mas não faço ideia por onde ele anda. Juro que hoje eu teria ido! Juro que não teria sido tão “babaca” tão simplório. Um coração cego... Colocaria minha mão em seu ombro e lhe diria alguma palavra de incentivo. A ignorância é a semente do medo. Na guerra civil americana, perguntaram a uma senhora dona de casa, voluntária como enfermeira num hospital de campanha, porque ela cuidava tão bem dos inimigos feridos e ela respondeu: "São jovens e estão longe de casa, tem a idade dos meus filhos que também estão na guerra. Espero que alguém esteja fazendo por eles o que estou fazendo pelos filhos deles..." Virei o restante da xícara num só gole. Isaura balançou a cabeça concordando, achei que iria dizer alguma coisa, mas não; levantou-se, colocou a cadeira no lugar, recolheu as xícaras e disse apenas: “Continue!” E foi lá pra dentro... Eu desliguei o ferro, joguei a camisa que estava em minhas mãos sobre as outras empilhadas para passar e fui trabalhar.







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28-11-2011



* "CONHECE A TI MESMO E CONHECERÁS TODO O UNIVERSO E OS DEUSES, PORQUE SE O QUE PROCURAS NÃO ACHARES PRIMEIRO DENTRO DE TI MESMO, NÃO ACHARÁS EM LUGAR ALGUM"