Hoje faz exatamente 1 ano que rabisquei num papel como foi ter despertado no meio de uma madrugada quente e perdida entre outras madrugadas que não despertei... O tempo não esmaeceu nenhum detalhe, sinto tão vivo como se tivesse acontecido agora a pouco. Garimpando minhas pastas empoeiradas, surgiu esse texto escrito numa folha amassada. Agora também é madrugada do dia 07 de dezembro de 2011, mas hoje em nada lembra aquela noite...
Numa dessas noites quentes de verão, despertei alheio a motivos,
tão suave e infiel, que fui juntando meus pedacinhos para perceber que estava
acordando. Voltei daquele lugar que nos refugiamos quando não estamos vivos,
onde posso voar, gritar e andar nu pelas ruas da fantasia... Ainda bêbado do sono que me devorava, ignorei o relógio, não me interessei em saber
a que horas andava o tempo. Na verdade cheguei a me deleitar com essa
ignorância, pois aquele que me comanda o dia, ali, no canto, calçado de
sombras, era apenas um vulto desalinhado despido de importâncias. Assim devem
viver os anjos, sem o tempo a envelhecer suas asas, sem os ponteiros espetando
suas almas. Apenas existem! A madrugada tem luz própria, alguma lua se espelha
nas nuvens e estas dividem seu sorriso com a penumbra; não senti o bem nem o mal,
só me senti parte de tudo aquilo. O relógio baixinho roncava seus tic e
tacs; o coitado também se entregou ao sono. As águas do oceano, que se
aqueceram durante o dia, tragavam o ar mais fresco da costa, e nesse caminho de
fuga uma brisa fresca invadiu o quarto com um único propósito: mexer nos cabelos
da mulher que adormecia ao meu lado. Foi para isso que os anjos me acordaram?
Para ver seus cabelos caírem em seu rosto? Alados travessos... Meus
olhos deslizaram para a janela e pude ver milhões de estrelas, e mesmo sabendo
que a muitas delas já estão extintas, naquele instante e só pra mim, a luz
desses vagalumes me fizeram companhia. Um movimento inocente do seu corpo
atraiu minha atenção e sem pressa, olhei cada detalhe das suas curvas e de suas
dobras e te desejei. Assistindo teu sono profundo, sua respiração era a música que fazia seus seios dançarem, desenhos indefesos que me aliciavam e me umedeciam a boca. Em
meio ao silêncio distante e esquecido que só a madrugada produz, contemplei teu rosto; sereno, sem
emoção, sem riso, sem raiva, apenas sono. Pude te olhar seguro que não me
perguntaria “porque me olhas?” Senti tamanha satisfação nesse anonimato, um
particular amor da intimidade inconfessável dessa hora. São lembranças que me
transbordam a alma; momentos, filmes dos nossos dias, nem todos tão bons, nem
todos tão ruins, apenas dias. O sono veio reclamar seu direito ao meu
corpo, não iria partir sem antes cheirar teus cabelos como a uma flor e beijar tua boca como um ladrão; um
beijo que tive estrelas mortas como testemunhas. A vida é terra nas botas de
quem caminha. Agora, pensando nisso tudo, nem sei se de verdade acordei naquela
noite ou se fui uma vítima da magia dos meus sonhos. Ainda confuso me resta à
sensação de que numa madrugada, de uma noite de verão, roubei um beijo da tua
boca e este eu nunca vou devolver...
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07-12-2010 |
Eu
escrevi esse texto há muitos anos, tantos que nem sei. É como um confessionário
do que fiz, o roubo de um beijo sem presenças, tendo apenas as sombras das
paredes como testemunhas. Ela mesma nem sabe dessa história... Às vezes eu
acordo no meio da noite, bebo água, fecho a janela se está frio ou escancaro se
me abafo com os humores do ar. Numa noite antiga, que os dias colocaram lá
atrás na fila da continuidade, acordei, olhei sonolento pra ela, olhei lá pra
fora para um céu borrado de estrelas que só aparecem no verão, cheirei seus
cabelos, beijei sua boca e voltei a dormir; coisas de marido
que as esposas não sabem que passam. Vocês mulheres, tão ávidas em querer saber
tudo, controlar tudo, quando dormem são apenas encantos embrulhadas em sonhos,
tão lindas e frágeis, cativas de olhares furtivos do homem que respira o seu
ar... O tempo passou, algumas estrelas se apagaram, o amor se desmaterializou,
a cama e a janela não existem mais, o que sobrou, na rede que puxo dessa vida,
são dois filhos lindos, lembranças dos dias que sorrimos e dos que nem sorrimos
tanto assim... A vida é como um caminhar nas margens do rio, vamos recolhendo
pedrinhas pelo caminho, a maioria não lembramos onde guardamos, mas umas aqui,
outras ali, ficam mais vivas na lembrança, ainda que sirvam apenas como pesos
sobre papéis onde escrevemos os nossos dias.
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Macaé, 25-04-2017
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