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A eternidade é o
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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

EU SEI MARIZE...




Eu sei Marize, agora sei...

Levei mais de 50 anos para aprender, sentado nas calçadas da vida, com meu caderno sobre as pernas e lápis de ponta cega, quem é esse ser chamado Mulher. Pior seria se nunca tivesse aprendido a soletrar seu nome, essa senha que mais parece um elogio. As Mulheres são como a pintura de um Universo de infinitas nuances, luzes, sombras, horizontes, mistérios que nem a mais longa vida consegue desnudá-la. A Mulher é muito mais do que apenas tinta, paisagens e molduras, há de se apreciar os tons, de se interpretar os contornos, de se mergulhar fundo em sua alma, até que meu respirar esteja no mesmo movimento do encher e esvaziar do peito que balança seus seios. Ah Marize, levei mais de 50 anos para entender que não devo esperar que a Mulher reaja como eu reagiria, que pense como eu pensaria, porque é Mulher e eu apenas um homem insensato. Quantas brigas gastei em vidas que não se renovam, por não entender que a Mulher é o melhor lugar para um homem estar? Fui um tolo e cego em perdição, pois é nas diferenças que nasce a perfeição. Se eu tivesse sido sábio, teria lhe dado meus ouvidos com afeição, e deixaria que seu dom de assistir o invisível me contasse os segredos que meus olhos de vidro não enxergam, mesmo estando a um palmo da minha visão. Esse foi um lindo presente de Deus: aos homens, no seu desenho, carregou de tintas em nossos músculos, mas a Elas deu o presente da Intuição, uma das faces do divino. Parecem fadas, mas prefiro vê-las como bruxas; as fadas carecem de paixão e despertam poucos desejos, quanto às bruxas, estas sabem enfeitiçar com o perfume da mais santa sensualidade. Ah Marize, demorei muito, demorei demais... Vivi sob as mentiras que os homens se contam: que o homem é a cabeça da Mulher, que o homem é o chefe da família, que ao homem cabe mandar... Quem eu seria hoje se tivessem me ensinado, desde a mais tenra idade, que na imagem de cada Mulher existe um Deus que germina, que floresce e que cria?


01-09-2017

Dedicado a todas as mulheres da Terra

desde Eva as que irão nascer




domingo, 4 de junho de 2017

MEUS OLHOS TE PERTENCEM...

Baseado em fatos reais



Hoje é quatro de junho de dois mil e dezessete, domingo. Faz Sol, mas está fresco e agradável. 
São muito poucas as vantagens de se morar só, na verdade acho que a única é você ser o seu relógio. Acordei cedo, fiz a barba, peguei roupa limpa no armário, preparei um café preto, comi meia dúzia de biscoitos e saí... Fui assistir a uma palestra cristã. Voltei duas horas depois. Desde sexta-feira vejo que tem uma correspondência na caixa do correio, ninguém mais envia carta para ninguém; certamente, pensei, era uma cobrança qualquer, boleto do cartão de crédito, conta de luz, blá, blá, blá... Antes de subir até o terceiro andar onde moro, peguei o tal envelope. 
Não era uma cobrança...


Abri o envelope e nele continha um cartão com a bandeira do Brasil. Após ficar alguns instantes contemplando o vazio e deixando meus pensamentos baterem uns nos outros como moléculas, resolvi mandar uma mensagem para meus irmãos, filhos, genros e nora que, transcrevo abaixo:

Meus filhos,

Em janeiro desse ano me inscrevi como doador de órgãos, de preferência, após a minha morte, espero. Ontem recebi a minha carteirinha como "atleta" doador.
Queria que vocês me ajudassem nisso, porque, mesmo inscrito no Plano Nacional de Doação, a família tem que autorizar.
Dessa forma, caso sejam contactados para que autorizem virem tirar minhas "carnes" sem valor para onde eu vou, digam SIM. Coloquei o nome da Vânia como primeiro contato, caso ela não queira, posso trocar por outro; mas como não tenho mais pais vivos e baguncei com meus casamentos, achei melhor que fosse um irmão do que filhos (pois espero que estejam nessa hora tristes e lamentosos quanto a minha partida, rsrs).
Quero doar tudo...
Córneas, coração, rins, fígado, pulmões, pâncreas...
Não se preocupem comigo, não vai doer nada. Assim poderei fazer alguma coisa boa para um desconhecido, porém, meu irmão em Cristo. Quem sabe será um chefe de família, uma mãe devotada e amada por seus filhos, um jovem no início de sua vida, uma criança, qualquer um...
Posso contar com vocês? Por favor?
Declaro estar seguro quanto minhas faculdades mentais, no exercício pleno do meu direito de expressão; não estou bêbado, nem drogado e absolutamente seguro do que desejo.
Obrigado
Amo vocês


ps. Façam o mesmo, sejam doadores.





04-06-2017

sexta-feira, 3 de março de 2017

A SENHA


Baseado em fatos reais




Apesar desse jeans desgastados pelos dias que se acumulam, amo estar em cima de uma moto. Os anos não apagam as emoções, apenas ordenam suas importâncias. Tenho uma PCX automática de 150cc da Honda, uma amiga e parceira do dia-a-dia. Perdoem-me os puristas por chamar uma máquina de amiga, mas temos um casamento perfeito, nos entendemos muito bem. Três ruas depois do prédio onde moro, aqui em Macaé, vive uma cachorra branca de porte médio, pelo curto, olhos juntos e dentes grandes. Essa “coisa”, se posso me referir assim, parece um ser do mal vestida de cachorra. Quase sempre ao passar de moto nessa rua, o meio do asfalto se abre entre raios e enxofres e dele emerge essa fera que passa a correr na minha direção; ofegante e desesperada querendo morder a minha perna. A cena é dantesca: seus olhos ficam esbugalhados, sua língua desaparece para dar espaço aos dentes ameaçadores, ela não late, rosna como se abrigasse toda a ira do Talibã em seu coração... Todas às vezes entro em pânico absoluto de ser mordido, medo dela conseguir me alcançar. Nessa hora a minha reação é de fuga transloucada, disparo com a moto, fico branco de pavor, minhas mãos suam, minha respiração fica ofegante e todo o objetivo da minha existência passa a ser o sucesso dessa fuga desvairada. Essa cachorra me desequilibra, altera a minha paz mais do que qualquer motorista barbeiro ou uma ultrapassagem desastrosa, e o pior, eu sinto que depois ela rola pelos cantos rindo as gargalhadas da minha reação. Na hora só consigo gritar: “Cadela, sua cadela...“ e outras coisas mais que não posso publicar aqui. Uma vezes senti que minhas mãos deram uma guinada na moto para tentar passar por cima dela, uma reação instintiva a sobrevivência da carne; meu Deus, esse não sou eu... Não é que ela seja uma cachorra ruim, não, claro que não, é seu corpo que não vale nada. Na hora da disparada, acelero tanto que passo direto pela rua que deveria entrar; depois, absolutamente ofendido e humilhado, dou a volta lá no fim da rua e refaço meu caminho. Isso aconteceu muitas e muitas vezes. Ela nunca surgia no mesmo lugar, e o medo de não saber de onde viria o seu ataque só aumentava a minha ansiedade... Um dia eu estava em casa me preparando para sair, enquanto insultava em voz alta a honra daquela cachorra. Isaura estava na cozinha passando o café e veio falar comigo: "Que foi Ricardo?" Respondi com uma mofa: "Eu odeio uma cachorra que me persegue quando passo por sua rua" Isaura é uma senhorinha muito sábia, experiente e resumiu tudo dizendo: "Ela se alimenta do seu medo, o desequilíbrio que te provoca retorna para ela e a satisfaz. Você precisa quebrar essa ligação, esse ciclo do medo..." Eu estava de costas fechando a mochila e suas palavras fizeram muito sentido para mim; como não pensei nisso antes? Ao virar-me para Isaura, ela já estava na cozinha afogando uma xícara com café quente... Então resolvi enfrentar meus medos. Desci a garagem e ao sentar na moto, enquanto o portão se abria, ao invés de colocar o capacete na cabeça, enfiei no braço esquerdo até o cotovelo; queria ficar de cara limpa para encarar a bicha. Dei partida e sai repetindo mentalmente passo a passo como iria agir. Três ruas depois pude ver ao longe onde ela estava (porque quando queremos realmente enfrentar um problema de frente e partir para uma solução, começamos a enxergar melhor os contornos que nos atormentam). Quando a filha do tinhoso me viu levantou as orelhas e puxou um sorriso de lagarto, ficou de pé, veio andando acelerado na minha direção e quando ia começar a correr, enfiei as mãos no freio e parei de súbito. Ela tomou um susto pelo imprevisto e parou também. Então olhei dentro dos seus olhos e num tom firme e determinado disse: “Porque você corre atrás de mim?” Evidente que ela não respondeu, não com palavras, mas com um olhar de incredulidade misturado com espanto. Senti um crescente sentimento de poder me abraçar, pois o meu maior medo das ruas, ao invés de estar correndo com seus dentes amostra mirando minhas pernas, estava agora parado me observando... Nisso, uma senhora que estava próxima, e acho que era a dona dela, disse: “Não fique assustado, é apenas uma brincadeira dela...” Pensei em dizer: “Tá, vou fazer igual com a senhora e quero vê-la rir da brincadeira...” Mas eu estava no controle da situação, ao invés de estar tenso, nervoso e preocupado, estava cada vez mais seguro. Apenas respondi: “Eu não gosto de ser perseguido por uma cachorra querendo me morder.” Então a senhora disse: “É só dizer o nome dela e ela para na mesma hora...” Essa era a chave da solução do meu problema, o nome da cachorra. Todo problema tem uma ponta, como uma costura mal feita, puxe essa ponta e desmanche a costura, ache a ponta do conflito, concentre sua atenção, divida o problema em partes, desmanche, desfaça, desconstrua... Então perguntei a senha: “Qual é o nome dela?” E a senhora disse: “É Branquinha.... Na mesma hora olhei para a cachorra e disse num tom firme, mas gentil: “Branquinha, não me cace mais!” A cachorra me encarou, olhou para trás como se alguém a chamasse e se afastou devagar indo se deitar sobre um pano sujo na entrada de uma casa. A senhora achou graça da minha fala e eu acabei rindo também. Passaram-se 24 horas e vinha eu descendo novamente a rua da ex-cadela assassina, agora etiquetada, qualificada e identificada pelo nome de Branquinha. Quando ela me viu levantou-se em disparada na minha direção como uma seta do mal querendo atingir o meu peito; foi quando saiu de dentro do meu capacete uma voz de trovão dizendo: Branquinhaaaaaaaa!!!” A cachorra parou como se tivesse batido o focinho numa parede de vidro, olhou desnorteada para o vazio e depois para mim, piscou duas vezes e voltou a se deitar sobre seu pano sujo. Um sorriso se apropriou de todo o meu rosto como um filho saudoso que retorna a sua casa depois de uma longa ausência; só consegui pensar numa coisa: “Esse problema está resolvido!” Já passada algumas semanas, quando Branquinha me vê descendo a rua com minha moto, vira o focinho pro lado e me esquece... Enfim, paz!

É preciso saber enfrentar nossos medos e agir como um rio que vence as dificuldades na busca do seu mar, o preço do embate é alto, mais o premio da conquista se chama liberdade.

03-03-2017

domingo, 29 de janeiro de 2017

EU, O VENTO E A CADEIRA...

Baseado em fatos reais





Moro há quatro anos 
numa cidade do interior 
chamada Macaé.
Sou do Rio de Janeiro, nasci no dia 22 de maio de 1959 na maternidade Clara Basbau, na Rua da Passagem, em Botafogo. Ela não existe mais. Hoje tem um enorme prédio antipático construído no seu lugar. Há uns anos, caminhando a pé por essa rua, parei diante desse prédio do outro lado da calçada. Tudo em volta era diferente do dia do meu nascimento; os carros, o céu, os cheiros, o vento...
Como uma chuva de verão que cai sem aviso, fui assaltado por uma intensa saudade dos meus pais. Me deu uma louca vontade de, ainda que por meros instantes, me transportar para o momento em que meu pai chegava na maternidade com minha mãe. Fechei os olhos para assistir melhor as cenas dessa hora, caprichosa costura da minha imaginação com saudade. Quando essas imagens foram chegando, as cores que me cercavam foram ficando em preto e branco, meu filme imaginário não era colorido. Meus pais já morreram, mas quando os vi saindo jovens e apreensivos de um Buick preto 
Buick - 1955

dos anos 50, me deu vontade de sair correndo de braços abertos em direção a eles, mas minhas pernas não me obedeceram, minha voz secou na garganta, nem tão pouco meus braços se moveram; na verdade eu não estava lá, apenas assistia o que nunca tinha visto e lembrava sem ter vivido; presentes da minha imaginação. Minha mãe muito jovem e muito linda tinha as mãos sobre sua barriga, já me embalava antes do meu nascimento; meu pai magro e de expressão séria com seus cabelos penteado para trás, carrega uma bolsa grande na mão direita enquanto que a esquerda estava nas costas de minha mãe. Acho que foi o momento em que nós três jamais estivemos tão unidos, andando nos mesmos passos, pensando as mesmas coisas, querendo o mesmo desfecho... Minha mãe tinha um lenço preso aos cabelos e meu pai estava de terno e sem gravata. Era quase dez horas da manhã, olhei para cima e vi poucas nuvens e um Sol brilhante; quando olhei de volta para o outro lado da rua, meus pais já haviam entrado na maternidade. Não iria demorar muito para eles terem o seu primeiro filho. Despertei de volta ao século XXI; muito barulho, muita cor e o enorme prédio antipático sentado sobre a minha maternidade. Isso já faz alguns anos... Da varanda daqui de casa consigo ver o mar, às vezes verde, às vezes azul, às vezes cinza; atualmente tem variado conforme a lente dos olhos que meu rosto guarda. Eu estava sentado na cadeira da varanda, fim de tarde, hora em que o vento entra de frente levando folhas secas de lá para cá, empurrando as nuvens, provocando a dança dos galhos. Isaura se aproximou em silencio, estava indo embora, disse qualquer coisa sobre ter deixado o jantar pronto e que a camisa que eu queria estava passada e pendurada no puxador do armário. Isaura trabalha aqui em casa há... nem sei quanto tempo. Por não ter respondido ela se volta na minha direção, vê meu olhar cativo no horizonte e coloca sua mão sobre meu ombro. Tomo quase um susto e desperto. Olho em seus olhos e vejo aquela senhorinha simpática que cuida da casa, cheia de sabedoria, de fé e de atenções por mim. Às vezes acho que minha mãe, de lá onde está, enviou Isaura para cuidar de mim. Ela me pergunta: “O que houve Ricardo?” Eu me limitei a balançar o ombro em que sua mão repousava, como quem diz "não é nada..." Respeitando minha vontade de fazer segredo dos meus pensamentos, ela diz num tom baixo e pausado: “Os pensamentos, assim como a saudade, não nos pertencem, vem e vão com a liberdade do vento. Não leve tudo tão a sério... Sem responder, dei um leve sorriso concordando com o que ela disse. Ela sorriu de volta e seguiu em direção a porta de casa e eu me voltei lá para fora. Ainda deu tempo dela me ouvir dizer: “Obrigado...”. Escutei a porta se fechar deixando nós três para trás: Eu, o vento e a cadeira.



29-01-2017

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

PERFUME DE CAFÉ



Acordei com alguém me chamando.
Ainda é cedo, misturei água no pó e fiz café... 
Acho que assim deveria ser o amor, um café bem feito, quente, perfumado, fumegante. Que nasce da mistura de duas pessoas e a chama da convivência faz essa mistura pingar até restar a essência, até que não se possa mais distinguir onde é um, onde é o outro; não existe mais pó, não existe mais água  -  só café.
Com o café na caneca, arrasto biscoitos comigo e me sento junto à janela da cozinha, jogo meus olhos para fora como se fossem confetes num dia de festa..
Devo estar sonhando que estou acordado e se for até o quarto, verei que estou deitado sonhando que estou bebendo café. Isso explicaria porque os biscoitos falam. Cada um que pego vem com vozes agarradas, biscoitos que me dizem por qual direção eu deveria ter seguido, quais palavras eu nunca deveria ter desembrulhado e outras que eu deveria ter repetido tantas vezes, que até as estrelas encobertas pelo Sol saberiam repeti-las em coro; assim, quem sabe, meu coração teria perdido a virgindade da sua natureza egoísta e enxergaria coisas que não pertencem aos olhos enxergarem....
Às vezes o perfeito é contemplar sem ter que entender tudo, explicar tudo; viver intensamente o início e o fim de cada segundo, como se o próximo fosse o derradeiro..
Será que a sutileza da simplicidade é se deixar levar como uma folha pousada sobre um rio manso? Acho que se eu tivesse sido essa folha, estaria agora jogando confetes de verdade pela janela ao invés dos meus olhos, não teria de ouvir conselhos de biscoitos secos e nem estaria tomando um café sozinho...



17-01-2017