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A eternidade é o
momento que se renova

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γνωθι σεαυτόν
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domingo, 11 de agosto de 2013

ÓRFÃO DE SONHOS


Baseado em fatos reais





O tempo é um personagem passional de nossas vidas, parece ter vida própria com um senso de humor muito questionável. Quando queremos pressa, Ele se arraaasta, quando queremos viver o mais longo minuto da nossa vida, só recebemos segundos escorregadios...
Quando você estiver lendo esse texto, eu estou neste momento em algum lugar do seu passado, transformando tinta fresca em palavras que vão me surgindo; enquanto que você está no meu futuro deslisando seus olhos em minhas tintas já secas há muito tempo... Somos prisioneiros do cárceres da continuidade. É madrugada do dia 11 de agosto de 2013, hoje é Dia dos Pais e meus filhos estão longe... Há algumas horas meu sono saiu porta a fora e disse para não esperá-lo. Bastardo! Desde a minha adolescência desejava ser pai, e essa "entidade" foi gerada dentro do meu entendimento, durante os nove meses em que minha mulher gerava nossa filha. A mulher já nasce com um útero maternal, quanto que nós, homens, precisamos achar dentro de nós um espaço para esse "pai" existir. Quando senti pela primeira vez o gosto de ser pai, esse ser passou a morar no meu melhor conteúdo, e nunca mais me abandonou... Há dois dias eu e o "pai" que me habita caminhávamos pela Rua Major Ávila, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, e me deu vontade de comer um pastel daqueles 
crocante. Entrei na primeira pastelaria e fiz o meu pedido. Estava ávido a morde-lo; quente, cheiroso e de queijo derretido, quando senti uma mão me bater nas costas duas vezes acompanhada de uma voz de criança dizendo: “Tio, pode me pagar um lanche?” Tio? Odeio essa expressão!!! Na hora o incomodo da interrupção me fez responder de pronto, de forma seca e aborrecida: “Só tenho dinheiro pra pagar esse!” Era mentira, claro, só queria me livrar do guri. Nessa hora dei uma olhadinha de canto de olho para o lado, e vi uma criança negra, uns 10 anos no máximo, com chinelos gastos, roupas manchadas e um olhar sem expressão e distante. Ainda deu tempo para ver seus olhos baixarem de vagar e fazerem a curva no rosto para ir embora. Senti uma fisgada no coração como uma bicada de um pelicano num peixe preso em suas patas, a mesma sensação que se sente ao cortar o dedo numa folha de papel. Então o "pai" que me habita me empurrou para o lado, afastou com suas mãos meus dentes, colocou a cara para fora e falou: “Peraí, volta...” O menino, já do lado de fora da pastelaria, ao virar-se, deixou aparecer outra criança segurando suas mãos, um menininho com três ou quatro anos, lindo, com olhar sapeca, do jeitinho que eu adoraria ser o seu avô. Ainda surpreso por ver a segunda criança, o "pai" continuou a sua frase: “...peçam ai o lanche que você quiserem.” O menino mais velho entrou na pastelaria puxando o outro pela mão; não sorriu, não mudou os desenhos do rosto, antes, porém, apressou-se em apontar para o balconista, que a tudo acompanhava fingindo estar distraído, o salgado que desejava. O chinês-coreano-japonês-sei-lá-o-que olhou para mim e perguntou: “Quem vai pagá?” Eu disse: “Pode dar, eu pago...” E completei dizendo: “Dá outro salgado pro menorzinho também.” Até agora lembro com uma distinta emoção, os dedinhos da criança menor dedilhando o ar para alcançar uma simplória coxinha de galinha. Os meninos estavam para sair quando o "pai" perguntou: “Não vão beber nada?” O mais velho teve a mesma pronta reação ao pedir o salgado, sem perda de tempo, sem chance de alguém mudar de ideia; tão jovem e já aprendeu a não desperdiçar suas oportunidades. Pediu o mesmo que eu estava bebendo, caldo-de-cana. O chinês-coreano-japonês-sei-lá-o-que me perguntou: “Dois?” Nessa hora eu pensei na carteira e achei melhor dizer: “Não. Apenas um copo de caldo...” Então ele virou-se para a sua máquina impessoal que destroça canas, apertou um botão, e com um barulho mal humorado que as máquinas tem, foi separando o bagaço do caldo. Ele pegou um copo de plástico, encheu até a borda e colocou sobre o balcão. Percebi uma mudança no semblante daquele oriental, ele vacilou por um momento, fez cara de quem estivesse lembrando de alguma coisa. Então pegou um segundo copo e encheu de caldo também. Colocou os dois copos diante das crianças. Elas se serviram e foram embora sem olhar para trás, sem um sorriso, sem um obrigado, sem despedidas, sem dizer seus nomes; mas eu estava satisfeito por ter feito alguma diferença, ainda que por 10 minutos, na vida daqueles dois. Então fui pagar para ir embora, seguir a minha vida. O chinês-coreano-japonês-sei-lá-o-que apresentou uma conta sem o segundo caldo de cana que havia entregue as crianças, ou seja, ele deu por sua conta para os meninos.
Nos olhamos rapidamente numa discreta cumplicidade, numa linguagem muda de reconhecimento e gratidão. A maldade divide, fragmenta, pulveriza, desfaz, mas o amor multiplica. Só posso dar o amor que tenho, pois o amor do meu semelhante a ele pertence e é quem decide se ele irá florescer ou morrer na semente... Hoje é dia dos pais e aqueles meninos, há dois dias, me deram por antecipação um lindo presente.



11-08-2013


quarta-feira, 12 de junho de 2013

O MEDONHO PROCESSO DA DESCONSTRUÇÃO




Sou quem sempre fui. 
Nem por esforço mais, nem por negação menos - apenas sou. Faço do dia-a-dia minha sala de aula num mundo infestado de professores, pessoas que vieram à minha vida e trouxeram o seu tijolo para erguer esse templo em que habito. Mas como quase todos os alunos de um curso, algumas matérias foram melhor assimiladas e outras deixadas meio de lado. Nesta segunda metade da vida, depois de dois casamentos, dos tetos que me abrigaram, de tantas ruas traçadas, tantos becos sem saída; encostei o carro, puxei o freio, parei para repensar meus trajetos. Cansei da eterna improvisação. Isso me faz lembrar o jogador de futebol que joga olhando para frente e não para bola, a diferença é que o primeiro não é surpreendido, não lhe tiram a bola, consegue ver o goleiro adiantado... O segundo tem a bola como foco, não enxerga o caminho do gol, quase sempre não ganha o jogo. Estou feliz porque deixei de ser perfeito, perdi definitivamente a chancela da razão, aprendi a ouvir, aprendi a não gritar, aprendi que a humildade não é uma fraqueza, é o termômetro que mede a razão. Aprendi a perguntar: Será que estou certo? Estou vivendo o meu contínuo processo de polimento da prata da casa: ética, respeito, franqueza e verdade. Procurar o aperfeiçoamento é um trabalho diário e sem esforço não há brilho. Sou quem sempre fui, as pessoas não aniquilam o seu eu, mas acredito que é possível aprender a reavaliar prioridades e prioridades bem definidas nos levam a melhores escolhas. Meus óbvios me abandonaram à beira da estrada, virei passageiro chato que pergunta demais, que abre o mapa, que discute trajetos, que não quer mais ver a paisagem como um filme, mas ser parte dos seus contornos. Prefiro a velocidade de quem caminha sobre o asfalto, do que a lucidez dos que voam sem rumo. Eu já fui o que meus papéis diziam, textos inebriantes de currículos, números sequenciais dos documentos, fotos e mais fotos, quase filmes do meu processo de envelhecimento. Já estive em cárceres privados nos neons da tela da TV, mas seus tentáculos, seus fios, seus cabos de energia foram sepultados numa sacola. Não pertenço mais à TV, ela não me dita mais as atitudes do dia seguinte, nem faz dos meus pensamentos o esgoto das suas cores; agora me distraio pensando por mim mesmo... Tantos tapas levei que racharam a massa grossa da minha maquiagem. Estou deixando de ser um conceito e descobrindo a vida por trás da pressa. Durante anos minha vida foi vivida do lado de fora, uma fome insaciável por sensações, por sabores,ansioso por experiências... Os anos, as circunstâncias e um ser pensante acima de mim chacoalharam minha adoração pelo externo.Desconstruir para reconstruir no prumo não doeria tanto se eu fosse um monte de tijolos, mas a carne sente e o espírito sofre, porque é muito difícil romper a continuidade e tentar algo diferente. Hoje sinto que o foco dos meus interesses encontrou o caminho de volta, onde tudo começou, dentro de mim. Parece uma coisa chata, mas é uma experiência emocionante. É a surpresa de quem acha dinheiro na gaveta, é a sensação boa de ter entrado numa estrada com flores nas encostas. Mas não me iludo, continuo sendo quem sempre fui, a diferença é que estou ciente quanto aos vazamentos do meu dique. Conheço minhas feras, elas me assustam, mas não me intimidam mais. Aceito minhas limitações, a envergadura e os alcances dos meus braços, não vivo mais em promiscuidade com a fantasia. Agora me reconheço no que sempre fui: um ser humano buscando a sua identidade. Essa aventura está apenas começando...


12-06-2013


quinta-feira, 30 de maio de 2013

A VINGANÇA DO REI ZANCHOR




Em 3025 a.C. iniciou-se a guerra entre os reinos de Thibal, do rei Zanchor, e Mirneha, do Rei Denerad. No primeiro ano os exércitos caminhavam para os combates orgulhosos, entoavam seus hinos de glórias aos seus reinos e de desprezo ao inimigo. Cinco anos depois, com os campos destruídos e as cidades devastadas, no estômago a fome emudecia as vozes, restavam apenas cansaço e muita dor para os dois lados. Não eram mais relevantes os motivos que levaram a guerra, apenas o ódio movia os homens que empunham suas lanças e espadas. Ao fim do inverno de 3020 a.C., a última tropa de resistência do Rei Denerad encontrou-se sitiada entre as margens do rio Eufrates e as colinas de Thar. Cercados, travaram o combate mais sanguinário da guerra. Naquele dia havia mais sangue no rio, do que água doce. O segundo em comando no reino de Thibal, o príncipe Anaco, irmão do rei Zanchor, fora crivado de flechas e morre sobre os rochedos, agarrado a sua espada. Um pouco antes de cair à noite, o reino de Thibal termina por vitorioso e a guerra passa a ser história. Avisado sobre a morte do irmão, Zanchor corre ao seu encontro e ele próprio ergue seu corpo e o coloca sobre uma pequena carroça de provisões e o conduz de volta ao palácio.

As tropas do rei Zanchor chegam a Thibal com os primeiros raios de sol, escoltando os prisioneiros e a cúpula de comando de Mirneha; Rei Denerad, Comandante de Cavalaria, príncipe Afico; Comandante das Tropas de Elite, príncipe Nuben; Comandante das Estratégias, príncipe Ziman e Comandante de Infantaria, príncipe Alutâmaren. Alojados em celas individuais aguardam serem chamados ao salão principal para o julgamento no Conselho de Guerra. Rei Zanchor fede a sangue seco do irmão, as manchas de sangue que cobrem suas vestimentas de combate tem o desenho bizarro da morte. Logo abaixo do salão principal de audiências, no subsolo, foi montada improvisada uma câmara mortuária para o príncipe Anaco. Seu corpo foi colocado ao centro da câmara, sobre um tampo de pedra polido do jeito que chegou do combate, apenas sem as flechas que lhe perfuraram. Sozinho rei Zanchor desce as escadas até o subsolo, ao abrir a porta se depara com o corpo do irmão, espalma o rosto e encobre os olhos e a boca, tem vergonha de chorar... Se aproxima, aperta o rosto do cadáver entre as mãos e encara os olhos semicerrados de Anaco, bolas sem expressão, opacos. O ambiente é sombrio iluminado apenas pelas chamas de uma lareira próxima. O frio faz as palavras de Zanchor saírem como vapor que batem no rosto de Anaco e se desfazem no ar. Despido de toda a realeza, sem o brilho de um rei vitorioso sobre seus inimigos, Zanchor chora protegido pelo anonimato.

O discurso de Zanchor diante de Anaco.

Como é estar entre os mortos, irmão? Sente frio? Medo? Há luz? Está com nosso pai ou as cores do fim te envolvem e te desfazem? Porque não me obedeceu e ficou entre os nossos guerreiros? Porque correu com a espada girando ensandecido, como se tentasse dividir o céu em dois? Tinha pressa, como todos nós, em por fim a essa guerra? Pensou que seria mais ligeiro do que a nuvem de flechas que te encobriu? De que valeu ter matado cem e não tê-lo junto à mesa de comemoração? O que digo para tua mulher? O que digo para teus filhos? O que você tem a dizer a mim? Vê quantas perguntas? Respondeu-me alguma? Um guerreiro é mais lembrado pelo que conta, do que pela eloquência de um corpo inerte. Essa guerra levou nosso pai, tirou você do meu convívio, matou muitos dos nossos amigos e por cinco anos vivemos o dia a dia desse vale sem luz. Rei Denerad aguarda meu julgamento, saberei dar a ele a mais zelosa vingança. Há várias formas de se destruir um homem, mas quebrar seu orgulho e tirar-lhe a esperança, é a mais abrangente que conheço. Se encontrar nosso pai, beije-o por mim, se nada ouviu do que te disse, te manterei vivo comigo até que eu parta ao seu encontro. Eu, o rei, inclino a cabeça e te honro na morte, assim como te amei em vida. Volto já!”

O Rei beija a testa do irmão e se afasta. Vai até a pesada porta e sobe por uma escada de pedra, segue para o salão principal, alguns metros acima da câmara. Rei Zanchor entra no salão através de outra porta atrás do trono, encoberta por uma pesada cortina. Dois guerreiros montam guarda a porta, quando o Rei surge, os guerreiros fazem a saudação marcial. Mão esquerda de punho fechado que bate no ombro direito. Saudação feita apenas ao monarca, pensada de forma a ser feita sem que se tenha que largar o armamento. Zanchor faz um breve movimento com a mão e eles voltam a posição de guarda. Seu semblante parece encoberto por ataduras, era impossível fazer qualquer leitura de suas feições. Suas sobrancelhas pesam sobre seus olhos. Rei Zanchor é alto, mede mais de 1,80 m e porte musculoso; exigências de anos de combate em muitos campos de batalha. Sobre suas costas uma pele de algum animal de pelo escuro, quase da mesma cor da sua barba. Na cinta uma adega polida do lado esquerdo e uma espada que quase toca o chão do lado direito. Quando rei Zanchor contorna a parede, onde seu assento está encostado, o ambiente que estava em alvoroço, fica em silêncio. O auxiliar do trono ao ver o Rei anuncia: “Rei Zanchor está no recinto, saudemos a majestade do rei!” E todos a um só tempo, reclinam a cabeça até o queixo quase encostar no peito. O monarca se coloca a poucos centímetros da sua poltrona e tem a mão direita sobre a empunhadura da espada. Permanece em silencio, imóvel, apenas seus olhos se movem pulando de um rosto ao outro entre todos os presentes. Zanchor desembainha a espada e a entrega, junto com o seu manto de pelo de animal, ao auxiliar do trono e senta. O salão está tomado de guerreiros de primeira linha, heróis de guerra, menções honrosas, comandantes de 100 guerreiros, chamados de Hundra e comandantes de 1000 guerreiros chamados de Tusen. Em destaque e mais próximo ao trono está seu comandante em chefe das forças de combate, Comandante Nirtan. Zanchor inclina a cabeça para o lado e olha para o auxiliar do trono, este dá dois passos a frente e invoca o conselho militar. Novamente outro brado: “Que se inicie o Conselho Militar!”. Neste momento os civis saem; primeiro as mulheres, em seguida os mercadores, negociantes, nobres, até que no salão permaneçam apenas os militares, chefes de comando, os príncipes, filhos de Zanchor, o comandante Nirtan e o Rei. O ar fica pesado. O rei fala a Nirtan: “Comandante, mande trazer os prisioneiros.” Nirtan é um velho militar, pouco dado a sutilezas, sua fala é pesada, seus gestos são grosseiros. Balança a cabeça na direção de um oficial que imediatamente sai acompanhando de 10 homens. Momentos depois as pesadas portas do salão principal se abrem e cinco prisioneiros amarrados são escoltados diante do trono. Rei Denerad e seus filhos.

Ao vê los entrar, Zanchor se levanta e diz apontando Denerad: “Esse homem é um rei, não deve ficar de pé e amarrado. Comandante, mande desamarra suas mãos e que lhe tragam um banco para que se sente.” De imediato surge um burburinho entre os oficiais, um desconforto se instala ao ver o prisioneiro ser trato com o título de rei e ter sido ordenado que o desamarrassem... Ele é um prisioneiro de guerra e muitos guerreiros morreram para que ele pudesse estar ali nesta manhã. O comandante Nirtan percebe o desconforto da tropa, e com a experiência de um velho oficial de campo, não hesita em puxar sua espada, e ao fazê-lo, imediatamente a guarda palaciana faz o mesmo em apoio ao comandante. Ele se vira para a assembleia e grita com feições ensandecidas: “Alguém aqui é surdo? Não ouviram o que Rei Zanchor disse. Façam!! Agora!! E rápido!!" Um pavor toma conta entre seus subalternos, sabem da voracidade e determinação da espada do comandante e da sua lealdade ao rei. As cordas são cortadas e um banco de cedro é colocado as costas do Rei Denerad. Seus filhos, em pé e amarrados, olham-se sem entender. O rei Zanchor se senta impassível, contemplativo. Não demonstra emoção. Inclina ligeiramente o corpo a frente e pergunta a Denerad: “O que espera dessa nossa conversa?” Denerad responde: “Porque chama esse teatro de julgamento? Nós sabemos que estou condenado! Faça o que melhor achar de mim, mas poupe meus filhos.” Fala num tom de voz que mais parece uma ordem do que um pedido. Zanchor responde: “São tão culpados de crimes contra o meu povo quanto você.” Denerad, levantando as sobrancelhas responde ironicamente: “Crimes? O que há de crime num campo de batalha? Não existem inocentes a segurar espadas...” Zanchor retruca: “Seus guerreiros ocupavam cidades sobre a minha proteção e possuíam as mulheres por trás, da forma que minha fé abomina. Não bastava destruir as cidades, degolar os velhos e crianças e fazer dos homens de escravos, mas por sua ordem e com o objetivo da humilhação, fizeram de nossas mulheres prostitutas.” Denerad se levanta rapidamente e de dedo em riste fala: “Seus guerreiros fizeram o mesmo!!!” A resposta vem em seguida: “Não por ordem minha! Eu domino a vontade dos meus guerreiros, mas não tenho comando sobre a direção de suas vinganças. Deveria ter deixado nossas diferenças apenas nos campos de batalha, e não na cama de nossas mulheres. Você blasfemou contra o deus em que acredito agindo dessa forma...” Denerad responde com um sorriso de deboche: “Não falemos de deuses agora, sua vida foi amaldiçoada diversas vezes pelos meus sacerdotes. Seu corpo e sua alma serão consumidos, restará apenas teus olhos para assistir fim que te espera” Zanchor se encosta em sua poltrona, abaixa o tom de voz e responde como se estivesse diante de um amigo: “Deus? Seu deus? Você vê seu deus aqui neste salão? Penso que ele te entregou aos teus inimigos, pois estava farto de suas orações inexpressivas e de seus incensos fedorentos. Aquela pedra empoeirada, a quem você chama de deus, fará o que sabe fazer de melhor: ficará muda, não se moverá e manterá seus braços cruzados sob sua imensa barriga” Denerad fala mastigando as palavras: “Filho de uma cadela! Maldito seja! Que a dor da sua morte não tenha fim...” Foi o único momento, durante todo o julgamento, que rei Zanchor grita enfurecido: “Atenta com muito cuidado a forma como se dirige a mim diante dos meus comandados. Você está em meu palácio, não na sua latrina.” Voltando ao tom de voz anterior, continua: “Acho que você deveria estar mais preocupado quanto ao seu fim do que com o meu. Mas vou procurar agir com justiça e benevolência. Quer salvar a vida de seus filhos?” Denerad pergunta com interesse: “De que benevolência você se refere?” Zanchor responde abrindo ligeiramente os braços: “Também sou pai. Poderia ter sido eu a estar no teu lugar agora e tentar salvar a vida de meus filhos... Vou te dar uma escolha, mas não duas. Escolhe um filho a morrer degolado, aqui e agora, diante de todos nós. E eu preservarei os outros três.” Um burburinho discreto surge. Comandante Nirtan, próximo do rei Denerad, olha para seus guerreiros. Os quatro filhos de Denerad; Afico de 29 anos, Nuben de 36, Ziman de 27 e Altâmaren de 32 olham entre si e ao pai. Denerad se levanta novamente de maneira enérgica e com as veias do pescoço infladas, grita: “Isso é um absurdo! Você está falando com o rei Denerad, do reino de Mirneha. Você me ofende com sua benevolência...” Zanchor interrompe Denerad com um gesto vigoroso da mão: “De igual forma, você me ofende com sua recusa. Rei? De que? De quem? De Onde? Seu reinado consumiu-se em decisões insanas e mal aconselhadas pelos teus comandantes. Estes que estão ao teu lado. Teu reinado agora resumisse a este banco de cedro e sua vida durará enquanto eu quiser... Escolhe agora, dentre seus quatro filhos, qual morrerá diante de você e salva os outros três; ou assistirá a morte de cada um deles, pois te deixarei por último a sentir a lamina desgastada da espada...” Neste instante os quatro filhos de Denerad pedem por suas vidas, esticam suas mãos amarradas, suas vozes se embolam as suas súplicas. Os que antes era a nobreza de primeira linha do reinado de Denerard, agora não passam de homens que gritam como galinhas no matadouro. Denerad se envergonha dessa atitude e esmaga os cabelos entre as mãos. O vermelho da raiva cobre seu rosto. Seus olhos giram. Sentado em seu banco e com a cabeça entre as mãos, Denerad grita um nome: Nuben!” Seu primogênito. Em seguida grita outro nome: Ziman!” Seu filho caçula e por fim: Afico!”. Os três filhos chamados se entreolham e em seguida afastam-se lentamente de Altâmaren. Percebendo que havia sido o escolhido para a morte, seus olhos esbugalham-se. Vira-se para o pai e fala: “Que te fiz pai, para, dentre nós quatro, eu seja o escolhido a morte? Não fui forte o suficiente ou não te obedeci em todas as tuas vontades? Decepcionei-te? Não fui o filho merecedor da tua compaixão?” Denerad não reage as perguntas do filho, permanece cabisbaixo. Altâmaren solto um grito medonho de horror que ecoa pelo salão. Cai de joelhos e chora copiosamente, nem tanto pela morte que se aproxima, mas por ter sido o escolhido por seu pai a morrer... Rei Zanchor faz um sinal para o comandante Nirtan, este se vira ao guerreiro mais próximo e ordena: “Chame Meganon e tragam o cepo.” Meganon é um guerreiro musculoso, olhar inexpressivo, tem uma longa cicatriz que começa na orelha esquerda e termina no alto do nariz. Ele será o verdugo da sentença. Meganon entra com uma grande espada, mais larga e mais pesada do que as demais. Caminha lentamente até o centro do salão. Atrás dele seguem dois ajudantes que se esforçam para trazer um pesado cepo de carvalho; e por fim um terceiro serviçal trás um cesto de palha do tamanho de meia braça. Quando chegam ao centro do salão, os serviçais têm dificuldades de abaixar o pesado cepo, perdem o equilíbrio e o cepo cai pesadamente sobre o piso provocando um barulho seco e desagradável. Aqueles que não viram que o cepo ia se chocar com o chão, tomam um enorme susto. Quase na sequencia, um cálice de pedra polida é trazido a Altâmaren. Neste cálice contém uma bebida de ervas amargas, deixa o condenado em estado parecido com a embriagues, mas de efeito muito mais rápido. Um gesto de cortesia ao condenado se é possível ser dito dessa forma. Altâmaren olha o cálice e balança a cabeça recusando-o. Um guerreiro vem por trás e rasga suas vestes. Suas mãos são amarradas atrás das costas. Ele é conduzido até o cepo e com um violento golpe de lança na dobra da perna, é forçado a se ajoelhar. Sua cabeça é envolvida por cordas, que passam por argolas nas extremidades do cepo, para que não possa mover-se. O cesto é colocado diante do condenado. Zanchor, que a tudo acompanhava em silêncio, fala pausadamente, quase sussurrando: “Não! Tire o cesto, quero que a cabeça role pelo chão.” O serviçal sai apressadamente com o cesto nas mãos assustado. Não há mais o que esperar. Meganon abre as pernas e ergue a espada acima da sua cabeça, tem os braços levemente flexionados. Fica imóvel por um instante, focado no ponto onde a lâmina deverá tocar no pescoço de Altâmaren. Instantes de expectativa se arrastam. Dos irmãos, apenas Nuben, o mais velho, observa. Os demais irmãos e Denerad estão com suas cabeças viradas para o lado. Meganon balança a espada... De súbito o rei Zanchor se levanta e todos olham para ele sem entender o seu movimento naquele momento. Meganon hesita, não sabe se desce com a espada ou espera. Alguns acham que Zanchor se levantará para assistir melhor a execução. Meganon abaixa a espada lentamente. O Rei coloca a mão esquerda para trás e com a direita acaricia a barba, como se pensasse. Com isso consegue reter a atenção de toda a assembleia aos seus movimentos. Parecendo ter chegado a alguma conclusão, diz: “Uma das benesses em ser um monarca, é poder mudar de ideia sem consultar a ninguém.” Todos permanecem como estátuas e em silêncio. Rei Zanchor conclui. “Decidi poupar a vida desse mancebo." Rei Denerad faz uma expressão de incredulidade e contentamento. Os irmãos dão urros de alegria. Apenas Altâmaren não se apercebe do que está acontecendo. Parece em estado de choque. Zanchor volta para seu trono, senta-se e calmamente e anuncia: “Que sejam executados os outros três, imediatamente!” Uma confusão incendeia o salão, os militares aplaudem... Altâmaren é empurrado ,ainda com as mãos amarradas as costas, para fora do cepo e no seu lugar é colocado Ziman que grita e esperneia desesperadamente como um porco no matadouro. A espada desce com violência e precisão. O som de sua voz ainda ecoa no salão enquanto sua cabeça rola até o primeiro degrau do trono de Zanchor. Nuben é conduzido até o cepo e age da mesma forma que o irmão, o corpo de Ziman é jogado para o lado e Nuben ocupa o seu lugar. Ainda mais rápido do que o anterior, sua cabeça é decepada e rola para o lado oposto da primeira. Por fim Afico é executado de igual forma e eficiência por Meganon. Ao fim das execuções, o chão está coberto de sangue e três cabeças se espalham em volta do cepo. Denerad precisa ser contido pelos guardas, parece possuído e blasfema contra o Rei; seu ódio não pode ser descrito com palavras... Zanchor observa impassível a reação de Denerad, há quem diga tê-lo visto sorrir ligeiramente com o canto da boca. Alutâmaren está caído, sem reação, apenas olha fixamente para o chão que acabara de vomitar sobre o sangue dos irmãos. Rei Zanchor pede silencio com as mãos e diz: “Tragam a vestimenta mais fina do reino e vistam o Rei Denerad...” Como se já estivessem aguardando, dois serviçais entram com roupas caras e perfumadas entre as mãos. Denerad é vestido com a distinção de um rei, sapatos de seda com fios bordados a ouro são colocados em seus pés, um tipo de turbante achatado é colocado em sua cabeça. Uma faixa larga, ricamente bordada, circunda sua cintura. Surge um detalhe inesperado, na cinta lhe é colocada uma adaga e uma espada, tão polida que possui o brilho de mil sóis do meio dia. Um manto de seda, da mesma cor dos sapatos, cobre suas costas e ombros. Outro grupo de serviçais entram com mais roupas, não tão ricas quanto as primeiras, mas extremamente finas e são vestidas em Alutâmaren, que também recebe uma adaga e espada. Os dois estão exaustos como recém chegadas de uma longa caminhada. Zanchor desce lentamente os três degraus que o separa do piso, se aproxima de Denerad e fala junto ao seu ouvido de forma que apenas ele o escuta falar: “Você tinha tudo que um homem poderia desejar: riqueza, autoestima, determinação, família, fé, um reino e poder, mas eu te tirei tudo isso! O que te resta agora... é presente do teu inimigo..." Denerad permanece imóvel encarando Zanchor. “Levem os dois, deem um cavalo a cada um e os escoltem para fora da cidade e os deixem ir.” Comandante Nirtan se aproxima de Zanchor e pergunta: “Será prudente deixa-los ir, majestade? Quer que eu envie um comando e que sejam mortos no campo?” Zanchor responde sem olhar para Nirtan: ”O rei Denerad está morto, o que vemos andando a nossa frente é um cadáver... Se ele não acabar se jogando sobre sua própria espada, Altâmaren é quem irá matá-lo.” Dito isso Zanchor se vira em direção a porta do subsolo, caminha poucos passos e fala ao serviçal do trono: “Mande limpar esse sangue, já chega de moscas no palácio...” Contorna a parede entre o seu trono e a porta que o leva ao subsolo na câmara mortuário do irmão. Vai cuidar dos preparativos do seu enterro.  



Texto de ficção, sem valor histórico.


Último texto na casa antiga. Amanhã casa nova. 
Lembrando Moisés, 
que as águas das dificuldades se repartam em dois 
e que eu possa caminhar em frente com meus pés secos.


Ricardo Cacilias
30-05-2013



quarta-feira, 22 de maio de 2013

AS VENTANIAS DA ESPERTEZA...






Hoje é o meu aniversário.
 .

Acordei a pouco, são quase sete da manhã. Tomei um longo banho quente, deixei o calor dessa chuva massagear as células cansadas das minhas costas. Fiz a barba no banho, é prático, o vapor amacia o fio que se renova todo dia. Ainda molhado e de toalha na cintura, tomei meu café que se resumiu a um copão de leite com chocolate e duas torradas com queijo branco. Estou diante do meu reflexo, olhando meus olhos, o preto dos meus olhos, no centro do preto dos meus olhos e me seguro para não me ofender... Eu me decepcionei! Lá nos anos 60, quando eu ganhava um presente de aniversário, minha energia e expectativa eram tantas que, ao destroçar o embrulho do presente, eu destroçava o presente que ele guardava... Fiz isso algumas vezes. Repreenda dos pais, dos tios, dos convidados... e ainda por cima um presente destroçado nas mãos. Era como assistir os melhores momentos de um Festival de Merda! Acho que fiz algo parecido com a minha vida, que é um presente de Deus! Porque não me ofendo? Porque isso é como um suicídio. Ofender-se é desfazer-se, é aniquilar, é expor as limitações que a maquiagem que valoriza a minha personalidade, não consegue encobrir as imperfeições... Ofender-se é a fotografia do fracasso. Normalmente as pessoas defendem suas preciosas vidas, sua condição humana, as bobagens que fazem e porque fazem até esguelhar-se. É a velha história de que “eu” nunca erro, as pessoas me levam a cometer meus absurdos... Queria abrir metaforicamente meu peito em dois, afastar as costelas, aproximar meu rosto do vapor que me esvairia e encarar o real por detrás do suposto. Tirando os filhos que Deus me disse: “Ide fazê-los. Trás essas vidas para mim...” Nada tenho do que me orgulhar, nenhuma cura, nada de fórmulas científicas metamórficas, nem um matinho descoberto com meu nome, nem um inseto, nada e nem porra nenhuma... Apenas filhos mais do que especiais... Como aquela visita a uma tia pobre, distante, que você foi visitar na quinta-feira à noite, num dia qualquer de fim de mês. Ela pergunta, enquanto segura a vela para ver melhor seu rosto: “Quer comer alguma coisa, meu filho?” Você olha para o relógio, quase nove da noite e pensa: “Até que não seria uma má ideia...” Ela diz: “Tem sopa...” Você pensa: “Sopa?” E pergunta: “Sopa de que, tia?” Ela responde: “Sopa de batata!” Você diz: “Legal... Batata com que?” E ela responde: “Só batata...” Eu concluo: Só filhos...” Meus filhos são o apogeu da minha vida, a única coisa que fiz de valor, o motivo de estar vivo. Ter filhos é ter o nome pronunciado 100 anos depois da sua morte; é te proporcionar a mais doce forma de eternidade. Num tempo estarei morto, você também, os tempos mudarão. Novos personagens estarão caminhando sobre a Terra e o que eu fui e como fiz, não fará diferença para ninguém; mas em especial no dia de hoje, 22 de maio, quero exercer meu direito de pensar sobre a minha vida; não sou uma ameba, sou um Homem. Se me bater eu revido, se me cortar eu sangro, se me ofender eu xingo, se me magoar eu choro. Toda vida tem um valor, ainda que não seja para seu vulgar vizinho, vale como diamante para o Deus de todas as coisas... Queria dizer que os anos levaram uma boa parte das minhas maldades. Sabe por quê? Não me serviram para nada, apenas consumiram ar e produziram gás... Tenho um monte de sonhos incompletos no meu bolso, eu tinha certeza que venceria todas as batalhas no meu campo de luta, que escalaria as mais altas montanhas, atravessaria todos os oceanos a nado, visitaria tantos países e conheceria “trocentas” culturas... Acho que errei no fermento ou coloquei ovos a menos nessa massa; o ponto é que me sinto diante de um bolo solado, por isso hoje olhei em meus olhos e quis me ofender; sinto-me traído por mim mesmo. Não sou quem achei que seria, não fiz o que pensei que faria, não fui onde esperava chegar. Uma das declarações mais babaca que tenho ouvido é: “Não me arrependo de nada do que fiz na vida...” Deixo esse tipo de declaração para os tolos. As ventanias da esperteza ainda podem embaralhar meus cabelos, mas não deixo mais que me façam um penteado. O vazio é um espaço imenso que nos movemos em câmera lenta. Às vezes é o que sinto dentro de mim, um imenso vazio que não foi preenchido pelos sonhos que idealizei. As gotas que transbordam do copo cheio são tão preciosas quanto o líquido que as empurra para fora. Num dia desses entrei no trem do metro na estação da Carioca. Ao mesmo tempo eu e uma mocinha bonitinha nos dirigimos para o único lugar vazio. Ambos paramos quando percebemos que o outro queria sentar-se. Como faço a mais de 100 anos, estendi minha mão indicando para ela se sentar, mas ao invés disso ela deu um passo atrás e disse: “Não, por favor, sente-se o senhor!” Eu fiquei tão apalermado com isso, que para não constrangê-la, ou por não me ocorrer o que lhe dizer, acabei sentando com um sorriso amarelo entre os lábios... Inaugurei naquele momento a minha velhice. É isso? Fiquei velho? Devo colocar cobertores em minhas pernas? Não sei bem, nunca passei por isso antes. Fora os óculos, que já uso há muitos anos, as coisas em mim só melhoraram. Saúde, força física,   
conhecimento, maturidade, paciência... Se estou velho, é nos olhos de quem me vê, pois daqui de dentro enxergo minha juventude. Acho que quanto mais crescemos como pessoa, mas revolta levamos a Morte, e mais ela se esforça para nos alcançar... A “senhora” vai ter que correr para por suas mãos em mim, pois ainda tenho muita coisa para ser e muita coisa para fazer. Não posso me deitar naquela sepultura em paz e de mão cruzadas sobre o peito, sem antes provar alguns dos doces que a vitrine dos meus sonhos expôs para mim. 
    


Ricardo Cacilias
     22-05-2013




domingo, 12 de maio de 2013

DEUS SALVE A RAINHA!

um tributo a minha mãe




minhas reflexões...
Daqui a poucas horas será o Dia das Mães... Pensei aqui comigo se esse dia é apenas das mães vivas, ou se as que estão no céu também comemoram? É o meu primeiro Dia das Mães sem minha mãe, ela morreu no dia 22 de dezembro de 2012, dois dias antes do Natal. Todo ano era aquela preocupação do que comprar, do que dar, do que levar para o nosso almoço... Hoje, talvez mais velho, vejo de forma cristalina que a minha presença era o seu maior presente. Minha mãe gostava de apontar para meus cabelos e dizer que eu tinha mais cabelos brancos do que ela, eu ria com isso, nós ríamos juntos de muitas coisas. Ela era uma italiana arretada, 
Malvina Paresqui Cacilias - 2005
sabia fazer sair fogo daqueles olhos azuis como o mar do caribe, e dentro da sua simplicidade e do seu pouco estudo, conseguia me fazer admirar o encanto da sua sabedoria. Minha mãe morreu presa a um corpo que não lhe permitia lembrar-se do meu nome, que não lhe permitia lembrar sequer que eu era o seu filho. De uma coisa estou convicto, em sua alma não havia qualquer esquecimento, ao contrário, imagino o amor de minha mãe preso a uma caixa de vidro de onde não saía som e que eu não conseguia vê-la. Imagino minha mãe batendo com os pulsos nessas paredes de vidro para chamar a minha atenção e gritava com toda a força possível: “Meu filho, estou aqui, olha pra mim, escuta o que te digo... Eu te amo!” Mas eu olhava apenas para o corpo material a minha frente, e não a ouvia me chamar... Sou um estúpido surdo. No dia do seu enterro eu tirei uma foto do seu rosto, naturalmente fui criticado pela família, não entenderam... Talvez eu mesmo não entenda porque fiz isso, ou pelo menos penso assim: Ainda que eu não pudesse faze-la ficar, ao menos sua última imagem me pertenceria. Quando me separei da Tere em 1987, fui para casa dos meus pais de mala e cuia. Minha mãe se aproximou, olhou para a mala, olhou em meus olhos e disse pausadamente: “Aqui você não fica nem um dia...” Verdade, só consegui passar aquela noite... Maldade dela? Não! Ela queria que eu sentisse o peso da minha decisão. Ela queria me dizer que as atitudes têm consequências e que eu aprendesse a carregar as minhas... Digo mais, se eu tivesse fugido, ela teria dado um jeito de me achar, seu eu tivesse engravidado uma macaca, ela me apoiaria, se eu ficasse louco, ela passaria a ser a minha razão, seu eu perdesse minhas pernas, ela me arrastaria para onde eu precisasse ir, se eu tivesse morrido antes dela, seu coração teria sido enterrado junto com o meu. No dia em que ela morreu eu coloquei uma notinha no Face falando do seu falecimento e em algum momento eu disse: 


“...Eu devia tê-la visitado mais, feito pequenas bobagens como lavarmos a louça juntos, tê-la chamado para sairmos só nós dois, ouvir com atenção suas reclamações, ouvir com atenção a melodia de sua voz; pois é disso que são feitas as vozes das mães, de pura música. Conto com seu coração de mãe para me perdoar e conto com sua bondade para, de vez em quando, dar uma olhadinha em mim... Que venha algumas vezes em sonho me ver e me abraçar. Meu consolo é saber que a vida não termina, muda apenas de calçada...”
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meu pai Gelson do Carmo Cacilias
Não estou completamente triste, eu acredito na vida eterna, eu acredito num lugar especial, eu acredito em encontros. Minha mãe certamente está com meu pai. Elas eram um casal, eles eram uma pessoa. Agora nenhum dos dois está mais sozinho, estão fazendo amor nas nuvens...
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Feliz Dia das Mães
amanhã será eternamente o seu dia.
Te amo. 




Ricardo Cacilias
   11-05-2012