Meu Blog

A eternidade é o
momento que se renova

Nosce te ipsum
Conhece a ti mesmo
γνωθι σεαυτόν
γνωθι σεαυτόν


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

UM CORAÇÃO CEGO...





Eu estava na sala passando umas camisas com o rádio ligado, era quase 9hs da manhã; parei por uns instantes o trabalho que estava fazendo no computador. Um som metálico rasgou a fechadura e a porta da sala abriu, era Isaura, o anjo que trabalha aqui em casa. Quando ela me viu com o ferro numa mão e uma camisa na outra, perguntou: ”Está querendo roubar o meu emprego?” Gosto desse humor sarcástico que ela faz as vezes, não evitei o riso e respondi: “Bom dia pra você também Isaura, até que não seria mal um dinheirinho extra... E rimos juntos. Um pensamento inesperado fez os músculos do meu rosto se agruparem novamente e desfez o meu sorriso. Falei num tom pausado e impessoal: "Tem coisas que me provocam o pensamento: passar roupa e correr na esteira da academia, por exemplo. Eu estava trabalhando quando me deu saudade da minha mãe... Ela costumava passar pilhas das nossas roupas com bom humor, cantava as músicas da Dalva de Oliveira, Maysa, Ângela Maria... Ai resolvi matar saudades dela, vim passar algumas camisas" Isaura, no seu silencio discreto de sempre, apenas me olhou com ternura. Ela pendurou a alça da sua bolsa numa cadeira próxima e foi pra cozinha fazer um café pra nós. Há uns anos iniciei um trabalho de reflexão sobre meus valores humanos e espirituais; estava receoso, mas confiante em “destrancar” algumas portas e me conhecer melhor. Na cidade de Delfos, na Grécia antiga, havia um templo dedicado ao deus Apolo e sobre o portal de entrada tinha uma frase atribuída ao ateniense Sócrates que dizia: “Conhece a ti mesmo"*. Não é fácil se despir das carnes que vestimos, caminhar alguns passos à frente e voltar nossos olhos para nós mesmos, para o nosso mais profundo íntimo, onde não existe "máscaras" e nem o "faz de contas". Lembro que no início eu parecia o advogado de mim mesmo, cheio de palavreados a defender meus erros, justificar minhas ações e com uma mão cheia de dedos acabava tentando transferir para os outros a responsabilidade e os motivos dos meus atos. Não é fácil! Conhecer a si mesmo é como navegar por um mar que se aprofunda quanto mais nos afastamos da praia da rotina segura e hipnótica. Fui por muitos anos um arrogante educado, uma pessoa de janela pequena, de conceitos amarrados, de visão embaçada, musculatura do coração atrofiada, algo meio mesquinho, parado no sinal vermelho das descobertas enquanto a gasolina do tempo não era usada para correr na direção do crescimento pessoal e espititual... Muitas vezes crescemos na dor, o rasgo que expõe a semente sob a terra, é dolorido, a golfada de ar nas asas do primeiro voo, é dolorida, nascer dói, crescer dói também... Eu estava na minha terceira camisa, Isaura entrou na sala com uma bandeja e duas xícaras de café; apoiou sobre a mesa e disse: “Hora do descanso, toma um cafezinho...” Sentei na cadeira próxima e ela na outra em frente. Depois de dois goles em silêncio e ter suspirado os vapores do café, eu disse: “Há muitos anos eu trabalhei numa grande empresa mobiliária no Leblon, certa vez um cliente solicitou um projeto para sua sala. Era um rapaz jovem, moreno, magro, educado, bonito, trabalhava como modelo profissional, me lembra um pouco meu filho mais novo hoje... Isaura olhou para dentro da xícara e deu mais um gole de café sem se manifestar. Fechamos o negócio, o projeto foi entregue e montado em sua casa. Três meses depois recebi um recado que esse rapaz havia ligado para a empresa e pedido que eu fosse a sua casa tirar algumas dúvidas, talvez até um complemento desse projeto. O detalhe do recado era que ele havia desenvolvido uma herpes ocular e tinha ficado cego... Cego? Perguntei surpreso para a recepcionista da loja. "Não pode ser! Não tem nem três meses que estive com ele. Estava bem, havia comprado seu apartamento, estava animado, trabalha como modelo... Como assim ficou cego?!" Minha capacidade espremida de entender os movimentos do Universo não me ajudou muito. Senti medo! Medo de contrair a sua doença, medo do "castigo" que um “deus” maldito e ignorante submeteu aquele rapaz gay. Meus preconceitos escreveram longos textos nas páginas da minha razão, que legitimavam minhas covardias... Virei pedra e disse as pessoas em minha volta: Eu não vou! Nem pensar...” Nisso, uma colega do trabalho que estava próxima e ouviu a conversa, disse: “Tudo bem, Ricardo, deixa que eu vou na casa do seu cliente, tiro as dúvidas dele...” Meus olhos se voltaram para ela como a mira de uma arma, sua disposição em ir até lá denunciou minha covardia para mim mesmo. Fui tomado de grande espanto por essa atitude desprendida, mais do que isso, suas palavras caíram sobre mim como um balde d’água gelada cheio de pedras de gelo... e eram pedras grandes! Nossa! Não era seu cliente, não era assunto seu, ninguém iria cobrá-la por não ir; por que isso? E suas palavras ficaram dançando em minha volta: “...Deixa que eu vou!..." Cai em silêncio e me fechei num constrangimento inconfessável. Ela foi e voltou, não contraiu herpes ocular até hoje e isso foi há mais de 15 anos. Hoje, quando me lembro dessa história, ainda sinto vergonha e arrependimento. Se todos em minha volta tivessem ficado de boca fechada, se o habitual descompromisso que temos uns com os outros tivesse ocorrido como sempre, teria ficado tudo "bem"!! Mas essa mulher resolveu reagir como um sal de frutas na água quente e transbordou dizendo: “...Deixa que eu vou...!” Chamou para si a responsabilidade de fazer o que era certo. Nem lembro do seu nome... Isaura, eu queria pedir perdão aquele rapaz, mas não faço ideia por onde ele anda. Juro que hoje eu teria ido! Juro que não teria sido tão “babaca” tão simplório. Um coração cego... Colocaria minha mão em seu ombro e lhe diria alguma palavra de incentivo. A ignorância é a semente do medo. Na guerra civil americana, perguntaram a uma senhora dona de casa, voluntária como enfermeira num hospital de campanha, porque ela cuidava tão bem dos inimigos feridos e ela respondeu: "São jovens e estão longe de casa, tem a idade dos meus filhos que também estão na guerra. Espero que alguém esteja fazendo por eles o que estou fazendo pelos filhos deles..." Virei o restante da xícara num só gole. Isaura balançou a cabeça concordando, achei que iria dizer alguma coisa, mas não; levantou-se, colocou a cadeira no lugar, recolheu as xícaras e disse apenas: “Continue!” E foi lá pra dentro... Eu desliguei o ferro, joguei a camisa que estava em minhas mãos sobre as outras empilhadas para passar e fui trabalhar.







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28-11-2011



* "CONHECE A TI MESMO E CONHECERÁS TODO O UNIVERSO E OS DEUSES, PORQUE SE O QUE PROCURAS NÃO ACHARES PRIMEIRO DENTRO DE TI MESMO, NÃO ACHARÁS EM LUGAR ALGUM"









sexta-feira, 25 de novembro de 2011

MARCELO ESTÁ CASADO!!...





Sabe do que é feita a maldade da Bruxa do Tempo? Ela enfeitiça as pessoas em nossa volta fazendo-as ver-nos velhos, ainda que nossa imagem não corresponda ao coração quente e jovem que temos no peito.
Ainda que eu me sinta jovem e serelepe, estou com 52 anos... Meus cabelos e do Richard Gere, já não são tão negros, por outro lado, ele tem um charme que eu não tenho. Pena! Estive neste fim de semana em Porto Alegre e tive um domingo diferente e maravilhoso. Fui assistir ao casamento do meu filho Marcelo com a Luciana. Foi muito especial! Um perfume de felicidade e luzes de alegria flutuaram sobre todos nós como bolinhas de sabão enfeitando a festa. Logo no início da cerimônia, para minha surpresa, Marcelo assumiu o teclado, a Luciana o microfone e os dois cantaram canções de amor um para o outro... 

Eu sabia que estava vivendo um momento histórico da minha família, assim como são os casamentos em todas as famílias, um reinício a continuidade. Uma cerimônia de vida festejada por todos os ancestrais que habitam em nós. Naquele momento eu era o representante dessas gerações, e Marcelo, a ponta dessa lança. Ao pensar nisso me senti muito importante. Após algumas palavras do pastor Walter, Marcelo falou emocionado sobre o amor, de como ele produz em abundancia sentido a vida, que o amor a tudo supera, inclusive as distancias. Nesta hora ele olhou para mim e todos olharam para mim! Respirei fundo, não estava esperando. Depois ele falou com muito carinho da Renata, sua irmã, e quando falou de sua mãe chorou. Quando me dei conta estava chorando também por orgulho de ver que tenho um filho que honra seus pais. Será que algum dia meus pais sentiram esse orgulho de mim? Bem... Foi tudo muito bonito. Passamos anos definindo os contornos de nossos filhos, que filmes irão assistir, em que escola vão estudar, como vão cortar seus cabelos, a cor de suas roupas, a marca das fraldas... e lentamente, como gelo derretendo, vamos minguando nessas decisões, deixamos de ser atores principais para nos tornarmos nobres coadjuvantes. Ainda bem, eu não iria querer passar a minha vida trocando as fraldas do Marcelo. 
Vendo os dois no altar, enxerguei a perfeição de como Deus junta as peças quando permitimos que a sua presença sorria para nós. Tive uma sensação estranha, a mesma que senti no casamento da Renata há sete anos, uma forte sensação de que tudo aquilo diante de mim era um sonho, uma viajem ao futuro... Não pode ser que essa criança esteja se casando, acabei de colocá-la na cama, cobrir seu corpinho até o pescoço, viro-me e ele esta no altar e eu de terno.
Sou um pai boboca que ainda pergunta pelos filhos dizendo: "Onde estão as crianças..." Não sei se quero parar de falar assim, ainda que eles não gostem muito... Meus trinta agora fazem parte apenas das fotografias, mas para onde os anos partiram? Hoje de manhã, segunda-feira, peguei o avião de volta com meu espírito voando feliz do lado de fora do avião, parecia uma pipa com a rabiola curta, rodava e rodava no céu... Podem quebrar minhas pernas, mas nunca farão meu espírito manco. Não temos poder sobre a ação do tempo, mas podemos aprender a apreciar as nuances da vida como a beleza que o sol imprime no céu ao longo do dia. A máquina do tempo quebrou e estou preso nesta época. Nunca mais vou ver minhas crianças novamente, ou só vou encontra-las de novo quando meus netos nascerem? Quem sabe...
Desejo que os desejos de meus filhos sejam mais certeiros que os desejos que desejei. Você não desfaz um combinado com Deus, ele foi claro comigo, os filhos não são meus, pertencem a continuidade.  Tudo vai se desenrolando no tempo e na expectativa prevista, eu só não esperava que os anos passassem tão rápido... Deus me abençoou com meus filhos e com suas promessas, só posso agradecer. 

Felicidades Marcelo e Luciana.


Ricardo Cacilias
25-11-2011

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

MULHER, SEU DESTINO É O AMOR...

Olá amigo dos meus textos noturnos. Estou perdendo as minhas digitais... Não é uma imagem filosófica da busca da identidade... De tanto lavar roupa a pele dos meus dedos está ficando bem fina... Tenho um note HP que acesso pela leitura digital de meu polegar, simplesmente ele não me reconhece mais... Estou me especializando em manter a casa um “brinco”, gosto de ver as coisas no seu lugar, limpas e organizadas. Estou passando roupa que é uma maravilha. Passo primeiro as mangas compridas e depois o colarinho, então passo a parte mais fácil... Fico igual a um idiota dizendo para as pessoas, “fui eu que passei essa camisa...” Comprei uma capa nova para a tábua de passar, a antiga tinha um buraco onde se apóia o ferro, feito pela antiga empregada. Faço lista de compras, vou ao supermercado, peço opinião às senhoras ao meu lado sobre qual produto é melhor do que aquele... Na cozinha estou procurando dar mais sabor aos meus pratos. Eu tinha um fogão de 4 bocas comprado no século XX, joguei fora e comprei um todo de aço com 5 bocas... o “bichinho” só falta dizer bom dia... Ao fim do dia, cansado, gosto de entrar no meu quarto com cara de "quarto de hotel"; cama feita, tudo esticado, travesseiros fofos e fronhas limpas... Gosto de lençol frio, só compro lençóis de 200 fios para cima, é um dinheiro muito bem investido! Eu queria provar a mim mesmo que não era apenas um porco chauvinista, que havia brechas humanas no meu comportamento e que qualquer terra seca pode ser florida se receber as sementes certas e a água da chuva. Estou numa separação lenta e dolorida da minha barriga... É duro, após tantos anos, saber que nossa relação não poderá crescer como antes... Estou fazendo dieta e exercícios! Estava há algumas semanas pesando 91 quilos e 700 gramas. Hoje estou com 87 quilos e duzentas gramas, são 4 quilos e meio a menos, e a saga continua... Quero chegar ao peso que estava em 1991, 80 quilos. Neste momento meu relógio marca 01h 35 da manhã de segunda-feira do dia 14 de novembro do ano do senhor de 2011. Minha máquina de lavar roupa começou a centrifugar, parece um carro cheio de vidro capotando ladeira a baixo, larguei o teclado e fui me abraçar à máquina para não fazer tanto barulho e acordar todo o bairro de Humaitá... As madrugadas exercem um poder superlativo aos meus sentimentos, sinto falta de uma mulher ao meu lado... Talvez, meu amigo, você tenha pensado que sinto falta é de uma funcionária para fazer as coisas que relatei antes... Não! Posso te assegurar que não! Este vaso cheio de testosterona precisa de uma flor feminina para ser germinada, sem isso a vida fica sem gosto, sem perfume, sem propósito, parece que não vai dar em nada... Se o sexo fosse à grande questão, qualquer “prima” me deixaria satisfeito e por um preço muito menor e sem o risco de uma pensão; em verdade vos digo, é na companhia de uma mulher que um homem encontra a sua plenitude – o seu êxtase! Tenho certeza de que não existe pele mais macia e saliva mais doce do que o de uma mulher; de que nada é mais sedutor que suas curvas e que nas duras horas das adversidades, seu colo e o perfume do seu sexo é a sagrada mistura da paz e da coragem. A mulher pensa, fala, enxerga e interpreta o mundo de uma maneira única e sem acesso ao homem. Estar sem o convívio de uma mulher é ficar longe desse conhecimento. Apesar do mundo estar dominado pelo poder e pelo trabalho da mulher, me trás grande prazer me sentir seu protetor, adulador e enamorado. Minhas palavras, sem originalidade, repetem o óbvio, não existe comunhão sem a mulher e não existe vida sem a mulher... Como um homem de origem no século XX acredito que nada substitui o amor, na verdade, após ele, tudo nos é acrescentado... Era para ser uma introdução de outro texto, mas ganhou vida própria e saiu do meu controle... O outro texto sai outro dia... Fico então despido de justificativas, de argumentações, de conceitos eruditos; de maneira simplória e telúrica afirmo... Sem mulher eu não existo!!! 

sábado, 5 de novembro de 2011

A PRIMAVERA DO PERDÃO...

Boa Noite amigo, a muito contragosto devo admitir que já passei da metade da minha vida, estou no segundo tempo e com alguns gols perdidos, talvez alguns dribles bacanas, mais nada que me fizesse dizer : Nossa que jogão!!Tenho vivido de veias abertas e na quarta marcha desse bate estacas chamado vida. Isso me faz lembrar da magistral cena de Charlie Chaplin no filme “Tempos Modernos” em que ele está numa esteira de produção, desesperado Tentando apertar as porcas das peças que vão passando cada vez mais rapidamente.
(trecho deste filme no final do texto) Não tenho tantas mãos e tantos braços para deixar impecável e sem rugas o resumo de cada dia... Sempre haverá um meio sorriso querendo ser grande
ou uma situação que poderia ter sido melhor escrita... Mas a carroça trilha seu rumo... Meu filho número 2 vai casar esse  mês, Marcelo. Senti que ele ficou meio enciumado, pois tenho vez por outro mencionado mais o Felipe e a Renata... O que você espera que eu diga dele? Ele é especialmente maravilhoso. Um
baita músico talentoso, dedica-se a trabalhos sociais em  comunidades carentes de Porto Alegre, destaca-se na empresa em que trabalha pelo seu excelente profissionalismo... Marcelo tem 20% do meu jeito, o restante ele foi cavando e encontrando seus contornos. É um loirão alto e muito mais bonito do que eu. Quando estive em Porto Alegre em março deste ano no seu noivado, presenciei um encontro mágico de duas famílias, parecia um filme, tudo transcorreu como se todos 
estivessem ensaiado o que iriam fazer e dizer; uma noite inesquecível recheada de esperanças e de expectativas – é disso que é feito o início da relação de um casal: ESPERANÇAS E EXPECTATIVAS... Sua noiva se chama Luciana, uma linda moça tanto aos olhos quanto ao coração. Eles são duas peças de um grande quebra-cabeça que se encaixam quase em perfeição, complementando-se e dando sentido as imagens ao seu redor. É com muito prazer que eu, o mais velhos dos Cacilias, recebo a benção
dessa mais nova integrante do time. Marcelo tem 25 anos. Eu sempre tive um sentimento de dívida com ele, assim como tenho com a Renata, mas com ele era uma dívida mais ardida... Nossa relação sempre foi misturada de altos e baixos. Quando ele fez 19 anos eu o chamei para morar comigo, mas por falta de concentração e de empenho da minha parte, não deu muito certo... Não é fácil reacende uma fogueira, as vezes o solo em baixo está meio úmido 
do sereno da noite... Depois por uma rápida temporada na casa da minha mãe ele se mudou para São Paulo onde ficou por um ano. Na terra da Rua Ipiranga com a Av. São João, viveu um processo de pasteurização, quando o leite é fervido e depois rapidamente desce a baixa temperatura... Todas essas chacoalhadas cristalizaram o caminho do seu amadurecimento. Ele saiu do Sul como um adolescente orgulho e enganado em ter uma majestade que não possuía... Anos depois voltou para Porto Alegre com a 
mala cheia de experiências e os pés sujos de terra. Voltou um homem adulto, responsável e pronto para assumir o seu futuro. Ele tinha apenas 2 anos quando me separei da sua mãe... Quando somos jovens encaramos o mural dos acontecimentos sem a plenitude da devida carga de emoção e da gravidade que elas possuem; hoje maduro e reflexivo, visualizo preocupado atitudes do passado que caem como pedras sobre meus ombros... Num dos e-mails que eu troquei com Marcelo recentemente, disse a ele 
 como deve ter sido difícil o “dia dos pais”, “natal”... e principalmente o dia mais importante do ano, o dia do cotidiano; pois são nesses dias em que as coisas mais importantes da nossa vida acontecem... Mas eu não estava lá!... Tenho feito desse espaço a minha tribuna, o meu lavar de roupa suja. Não posso deixar essa vida sem expor falhas de percurso que me alfinetam e me incomodam. A mãe deles nunca poupou nobreza em suas palavras quando eu era o assunto, sempre exortava nossos 
filhos ao respeito e a admiração por um pai que não foi exatamente um modelo e uma premissa... O que me amedronta? O julgamento de Deus? Das pessoas? Dos filhos? Tenho medo é da minha consciência, da sua falta de misericórdia e das suas visitas inesperadas; do tapa que as vezes levo quando estou dirigindo, do sussurrar assustador no meio da noite, da sensação de estar sendo observado enquanto espero o  elevador... Marcelo, com exceção da Renata, não lê mês textos; lerá um dia numa
natural busca ao entendimento 
do seu gênesis... Então lanço mão da internet e da sua capacidade de guardar por muitos anos as informações que recolhe. Informações que sobreviverão aos meus dias. Sempre haverá uma chance a primavera do perdão. Penso até que já o tenho deles dois, resta eu mesmo me conceder o mesmo. Dia 20 de novembro Marcelo assumirá a sua parte na continuidade, seu casamento proverá outros Cacilias e a lei da vida prevalece novamente. Ainda que numa parcela ridícula, sinto um dever realizado... Mas o mérito cabe a sua mãe. Tere é uma mãe na medida certa e acima de tudo uma mulher que superou suas diversidades...
Obrigado por me ouvir, amigo. Seja feliz!

Ricardo

                                      TRECHO DO FILME "TEMPOS MODERNOS"
                               ESCRITO E DIRIGIDO POR CHARLIE CHAPLIN - 1936

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O DIA DA LEMBRANÇA

Hoje foi o dia de finados. Estava escalado para trabalhar neste feriado. Não me importei...muito... Eu nunca fiz desta data um dia especial para ir ao cemitério visitar os "mortos" da família. Para mim sempre foi um dia de feriado. Acho que é uma tradição mais católica. Todos os dias amanheço com meu pacote de pensamentos vazio, murcho...dobrado debaixo do braço e saio para o trabalho. O dia passa e vou enchendo meu pacote com pensamentos de tudo que é tipo, cor e formato; mas não há um dia que não tenha neste pacote, pensamentos de uma ou de outra pessoa que fizeram parte da minha vida e seguiram para o outro lado. Eu tinha 16 anos
quando vi um filme muito interessante com um ator que acho fantástico. O filme se chamava Man Friday com Peter O’Toole. É um filme baseado na história de Robson Crusoé. O personagem de Sexta-feira era o ator Richard Roundtree. O filme é repleto de mensagens, um constante confronto da pureza e da humanidade de Sexta-feira, que procura desconstruir conceitos da prepotência branca européia de Robson e sua maneira pesada de viver. O filme vai se desenrolando, mas tem um momento que para mim foi muito marcante, tanto é que já se passaram 36 anos e assim que comecei a escrever este texto, imediatamente me lembrei da cena. Sexta-feira está sozinho na praia, agachado, apoiado nas pernas dobradas, braços esticados, largados, seu olhar sem expressão olha em direção ao fogo que queima alguns gravetos... Robson vai se aproximando lentamente e fica espantado com a visão de Sexta naquela contemplação ao fogo e pergunta: "O que está fazendo? Aconteceu alguma coisa??" Sem tirar os olhos das chamas, Sexta responde pausadamente: "Para o meu povo, hoje é o Dia da Lembrança. Passamos o dia lembrando dos nossos mortos, é um dia triste e de reverencia..." Robson responde num tom de quase desprezo: "Mas isso é ridículo, um dia inteiro lembrando gente morta!!!" Sexta-feira não se abala, ao contrário, o convida a se unir a ele junto da fogueira para fazer o mesmo. Curiosamente Robson não responde, mas vai se agachando lentamente e fica ao lado de Sexta na mesma posição. Em poucos instantes seu olhar vai ficando distante, vago, sem expressão e inesperadamente cai em pranto. Sexta-feira em silêncio coloca a mão sobre seu ombro e a cena acaba. Porra, fico arrepiado só de lembrar do grande Peter O’Toole nesta cena. Não deveria se chamar dia dos finados, sugiro ao Brasil trocar o nome para dia da LEMBRANÇA. Um dia para lembrar como algumas pessoas foram importantes na modelagem do barro e da palha, que ajudaram a edificar o nosso caráter, a nossa maneira de pensar e de interpretar o mundo. Eu penso que nós somos uma compota de vidas, somos um extrato de frases, de exemplos, nós somos a flor adubada por nossos antecessores. Coisas que nem lembramos a origem, nasceu como ferro forjado em alta temperatura até atingir a nobreza do aço. E desse aço é que projetamos a base da geração seguinte. Às vezes estou diante dessa fogueira, agachado em contemplação, sorrindo, chorando, vibrando ao lembrar dos fantasmas da minha formação. Para fechar meu raciocínio gostaria de contar uma coisinha, um farelo de lembrança do meu pai que faz parte da engenharia genética de muitas atitudes que tenho hoje. Num dia qualquer de 1977 eu morava na Tijuca, aqui no Rio. Eu tinha 18 anos. Fui até a Mesbla, que não existe mais, comprar um ferro de soldar. Entrei na loja, fui atendido pelo vendedor, escolhi o ferro e fui para casa... Assim que cheguei em casa fui direto ligar o ferro de soldar, pois queria soldar uns fios numa caixa de som. Na hora que liguei o ferro na tomada, uma fumacinha branca saiu de dentro dele... O ferro já era!! Eu fiquei decepcionado... Em 1977 não havia a lei do consumidor. Dei como perdido o dinheiro que gastei na compra. Meu pai, passando pela porta do meu quarto, meu viu com aquela cara de bunda e perguntou: O que foi? Eu respondi: Acabei de comprar esse ferro de soldar e queimou, sei lá...não está funcionando... Meu pai disse num estalo: Pega a nota de compra, vamos lá trocar... Eu disse na hora: Não vão trocar pai... Já era!!! Ele repetiu a mesma frase: Pega a nota de compra, vamos lá trocar... Eu pensei: Essa eu quero ver!!! E fomos para a Mesbla. Quando chegamos no setor de ferramentas, meu pai me perguntou: Quem te atendeu? Apontei com um gesto dos olhos: Foi aquele baixinho ali... Meu pai pegou a nota e o ferro e se aproximou do vendedor. Oi. Meu filho comprou esse ferro de soldar aqui com você há uma hora atrás e esse ferro queimou assim que ele colocou na tomada. Quero trocar por outro... O vendedor disse: Desculpe-me senhor, mas não trocamos esse produto. Meu olhar desabou em direção ao meu pai; numa fração de segundos olhei seus olhos, sua postura, queria saber o que ele iria fazer, o que iria dizer, qual seria o estalo diferencial, a atitude que mudaria aquele impasse. Eu sabia que aquele falso momento trivial iria se transformar em algo para se lembrar: um momento, entre outros diversos, que foram impressos em minhas lembranças... Meu pai, sem mudar o tom da majestade que os anos de vida coroam a maturidade de uma pessoa, disse ao vendedor: Eu não perguntei se vocês trocam esse produto ou não, eu disse que vim trocá-lo! A afirmação inesperada fez a boca do vendedor fazer um biquinho... Mesmo estando em meados dos anos 70, havia alguém do futuro exigindo seus direitos. O vendedor não falou mais nada, pegou o ferro de soldar das mãos do meu pai, pegou outro novo e entregou a ele. Meu pai agradeceu,  colocou em minhas mãos o ferro de soldar e saímos em silêncio... Waalll!!! Esse ferro com o passar dos anos acabou queimando de novo, mas ainda o conservo guardado na minha caixa de ferramentas como um símbolo a me lembrar de que uma atitude firme e justa pode mudar o destino das coisas.

Bom dia da LEMBRANÇA.

Ricardo