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quarta-feira, 12 de março de 2014

NAQUELA NOITE

  FFicção              



    Ficção    



Era só mais uma noite rotineira de setembro de 1952. De súbito uma mão agarra a barra de ferro do portão da casa e empurra, um rangido mal humorado de ferro enferrujado se faz ouvir, como se fosse um toque de corneta de um sentinela imaginário anunciando a chegada de alguém. Agenor chega do trabalho com um pequeno embrulho nas mãos. Quase todas as noite ele trazia algum agrado para Dodôra: um pote de doce de leite, queijo de minas, bombons e de vez em quando ele a surpreendia com suas flores preferidas; margaridas brancas. Flores sempre despertaram o sorriso de Dodôra, as recebia como quem estende as mãos para pegar um filho no colo. Prontamente ela as colocava num vaso de barro cru, que ficava sobre a mesinha junto da porta da sala. Sobre essa mesinha havia um bordado de crochê tecido há muitos anos, na semana em que Dodôra abortara espontaneamente seu terceiro filho. Enquanto ela chorava por essa perda, os fios deslizavam lentamente por entre seus dedos e se misturavam na ponta da agulha a outros fios, e se perguntava; "porque o meu corpo expulsa meus filhos? Por que estou condenada a não ser mãe?" Poucas horas foram suficiente para que ela terminasse o seu crochê arredondado, pequeno, de linha branca. Chegou a pensar que só ficara pronto por não ter sido o seu ventre que o teceu... Esse crochê um dia foi parar sobre a mesinha perto da porta da entrada, um dia colocaram um vaso de barro cru sobre ele e vez por outra Agenor trazia margaridas brancas para Dodôra colocar nesse vaso. Nunca falaram sobre isso, mas havia entre eles uma cumplicidade silenciosa, que existe entre os casais, de que as flores eram para manter viva a lembrança dos filhos que não tiveram. Estavam casados há quarenta anos, um parecia ser a extensão do outro; nos gostos, nos amigos, nas minúcias e intimidades. naquela noite Agenor chega em casa com um embrulho nas mãos envolvido em papel rosa, de superfície áspera, semilustroso, cuidadosamente amarrado com um barbante de algodão fino com várias voltas e no alto havia uma alcinha, confeccionada com o próprio barbante, para carregá-lo. O caminho que Agenor fazia do centro da cidade até o Grajaú, na zona norte do Rio de Janeiro, era sempre de bonde, quase sempre sentado no mesmo lugar, em silêncio, com um olhar sereno para a velha paisagem de sempre, com um embrulho balançando no seu colo. Ao entrar pelo portão de ferro de casa, caminha alguns passos sobre pedras chatas e polidas, intercaladas por uma grama alta; fazia semanas que ele prometia cortar, mas esquecia de fazer. Dodôra o espera na hora de sempre, de banho tomado, perfumada de alfazema, com seus cabelos tingidos de castanho claro, demoradamente penteados e presos por uma fita larga de seda. Dodôra não era mais jovem, mas conservava uma sensualidade discreta e meiga de uma mulher madura. Era bonita, tinha um jeito elegante de falar baixo e mansamente; parecia sorrir com as palavras. Seus olhos eram castanhos, corpo magro e um pouco mais baixa que Agenor. Dodôra gostava da maneira com que Agenor olhava para seus cabelos e do ar de aprovação que fazia quando chegava em casa. Ela se sentia querida e amada. Naquela noite Agenor, como de costume, entra e beija Dodôra levemente nos lábios e num tom de voz de alguém que declara algo importante, diz: “Meu bem, eu trouxe tâmaras secas! Ele nunca deixava que o embrulho em suas mãos fosse um segredo desfeito apenas pelos nós que selava o embrulho. Ele tinha que contar antes... Dodôra cobre um riso com os dedos. Agenor pergunta de maneira formal, dando peso as palavras: “O que foi? Tâmaras a fazem rir?...” Ela responde: “Não, meu bem, não estou rindo por causa das tâmaras, você se esqueceu de tirar o chapéu de novo...” Agenor faz um ar severo, contém seu constrangimento, coloca o embrulho suavemente sobre a mesa da sala e com as duas mãos retira o chapéu de feltro marrom escuro da cabeça. Vai até a entrada da sala e o pendura num dos ganchos junto da porta, onde um outro chapéu sonolento descansa e o observa em silêncio, ao lado de um guarda-chuva seco e adormecido. Ele volta com um olhar sério, pensativo, quase triste... Dodôra repara na reação do marido, mas fala animada: “Fiz canja com batatas e cenouras, meu bem, está do jeitinho que você gosta. Vai se preparar para o jantar, vou terminar de colocar a mesa...” Como se atendesse a uma ordem, ele sai para o quarto e Dodôra segue para a cozinha. Meia hora

depois os dois estão sentados à mesa. Uma música suave do Pixinguinha toca no rádio num dos canto da sala. Agenor está compenetrado, repetidas vezes faz o mesmo movimento de molhar a torrada com manteiga na canja, leva-la à boca, acompanhada em seguida de uma colherada de canja. Dodôra quebra o silêncio e pergunta: “O que foi, meu amor, algum problema na editora?” Agenor é revisor, há anos trabalha na Editora Letra, na Rua da Carioca. Ele não desvia o olhar do prato enquanto responde severo: “Ademar veio conversar comigo, ouviu alguma coisa ontem à tarde, estão querendo me dispensar...” Dodôra reage apertando os lábios, mais por não saber o que dizer. Ela sabia que esse dia chegaria e que seria muito difícil para ele. Agenor suspira fundo, deixa a colher apoiada dentro do prato, repousa as mãos sobre a mesa, e com uma voz determinada diz: “Eu tenho um filho de 30 anos!” Dodôra desvia o olhar para o lado como se tentasse ler no ar as palavras que havia escutado. Confusa e incrédula, pergunta como se não tivesse ouvido direito: “Você tem o quê?” Agenor repete a mesma frase num tom mais baixo: “Eu tenho um filho de 30 anos!” Ele não estaria brincando, pensou Dodôra naqueles poucos instantes que se passaram enquanto o som da voz de Agenor se desfazia no ar. Não sobre esse assunto, não com aquele olhar, não com aquela voz... Num instante diversas lembranças vieram à sua memória, como os pedidos de Agenor para que o ajudasse a escolher presentes para serem dados em aniversários e natais, ao filho de um amigo sem rosto que nunca conheceu. Com o tempo, esses presentes foram crescendo com a idade desse menino. Uma vez, há muitos anos, Dodôra viu seu marido se despedir de um adolescente com um abraço, antes dele subir num bonde e partir. Dodôra apressou-se a atravessar a rua e alcançar seu marido. Demonstrando surpresa, perguntou: “Quem era o rapaz com quem você acabou de se despedir?”. Agenor limitou-se a dizer que não sabia sobre quem ela falava e desconversou. Outra vez Agenor chegou em casa radiante porque o filho do seu amigo entrara na faculdade  de engenharia. Dodôra chegou a pensar que esse apadrinhamento por aquele rapaz poderia ser uma reação espontânea, paternal, de um filho que ele nunca teve. De um filho que eles dois nunca tiveram... Esse pensamento final a despertou, tirou da letargia, fez sangrar novamente uma frustração doída, sentiu uma raiva crescente no peito e sua respiração acelerava, pois, afinal, agora sabia que ela sim nunca tivera um filho, já o seu marido, apresentava naquela noite seu filho de 30 anos. Dodôra encara Agenor de olhos fixos, cerra os pulsos e diz uma frase curta com os lábios trêmulos: “Seu filho da puta!” Agenor esbugalha os olhos, nunca tinha visto antes sua mulher dizer semelhante coisa: “Que isso mulher! Como pode falar assim?" Com o mesmo olhar duro e direto, ela continua: “Como posso falar assim? Que merda de notícia é essa? Já que eu não consegui lhe dar um filho, tratou de se virar sozinho... Seu desgraçado!" Agenor se apressa em falar: “Meu bem, deixa eu falar...” Dodora apontando seu dedo em riste, atropela sua fala dizendo: “Você acha que tem alguma coisa pra me dizer que justifique isso? E se eu estivesse agora te contando que tive um filho bastardo, você iria querer ouvir minhas explicações?” Agenor mantem a boca aberta, mas sem som, seu rosto é de espanto. Abaixa os olhos e parece assistir a cenas do passado, acontecidas há muitos anos. “Você... tem toda razão, não há o que explicar, é um fato terrível para se contar assim, de repente. Sei que estou errado... Quando estávamos aos dez anos de casados tivemos uma fase ruim, amarga, exatamente por não termos tido nosso filho, um sequer... Estávamos desgastados e entristecidos. Foi quando tive um envolvimento com uma colega de trabalho, ela se chamava Lolita...” Dodôra aperta os olhos como se sentisse uma dor aguda e inesperada: “Não diga o nome dessa mulher na minha casa, me respeite!..." Agenor junta as mãos em gesto de súplica: "Meu bem, ouça... não significou nada para mim, não foi especial... foi um acidente, uma cilada do destino..." Dodôra o interrompe com um movimento vigoroso da mão: “Só falta você me dizer que acidentalmente se deitou com essa mulher, que acidentalmente tiveram um filho, que você é um bobo inocente, um marionete do destino... Acha que vou engolir uma história dessa? Você acha que eu sou uma mulher estúpida? Eu preferia ouvir você dizer que foi algo muito especial - fala com ar de desprezo - ao menos essa dor que estou sentindo teria um motivo; algo que me ajudasse a entender porque você fez isso comigo! O preço por me trair deveria ser muito alto. Deveria valer a pena correr o risco de jogar nosso casamento no lixo... Você tinha que provar que era o macho reprodutor e eu a mulher estéril... Quantas outras mentiras você me contou nesses anos, Agenor? Não sei mais com quem estou casada. Estou muito decepcionada com você!” Agenor está abatido e fala como se estivesse sozinho na sala olhando para a sopa fria: “Ela nem era bonita, apenas conversávamos... Depois eu pegava meu bonde e vinha para casa. No dia seguinte ao que você abortou nosso terceiro filho eu desabei, acabei entrando num bar e bebi muito. Ela me viu e me levou para sua casa, me abraçou e disse que não era minha culpa; conversamos, nos beijamos e acabei fazendo uma bobagem... Naquela noite, quando cheguei em casa, não te achei me esperando, a casa estava fria, tudo apagado, fui te encontrar na penumbra do nosso quarto, sentada na beira da cama chorando, eu fiquei arrasado... Senti uma enorme culpa e arrependimento. Depois disso nunca mais tive nada com ela, até que no mês seguinte ela veio me contar que estava grávida. Meu Deus, grávida? Fiquei sem saber o que fazer... Ela quis abortar, mas eu não deixei. Confesso que a ideia de ter um filho me contagiava... Eu não poderia deixar que matassem minha última chance de ser pai. Era um menino, ele nasceu numa maternidade do município, eu nem apareci no dia, fiquei com medo... Ela registrou nosso filho sem o nome do pai... Meu Deus! Não é uma estória bonita para se contar... Com o tempo fui me aproximando dele, acompanhei a sua vida, a escola, dei a melhor assistência que pude... Hoje ele está com 30 anos, formado, tem um bom emprego e está noivo. Quem sabe amanhã serei avô... A mãe dele morreu há alguns anos e com isso ele se chegou mais a mim... Só me resta pedir o seu perdão." Dodôra procura se acalmar, vê seu marido completamente abatido, em lágrimas, arrasado, desfazendo-se à sua frente. Então ela pergunta do jeito mais calmo possível: “Por que só agora, depois de 30 anos, você resolveu me contar tudo isso? Porque não me deixou morrer sem saber dessa história?" Agenor responde sem olhar para Dodôra: “Eu fui ao médico na semana passada e voltei hoje novamente...” Dodôra fala disfarçando sua preocupação: “Você foi ao dr. Anselmo? Por quê? Você não me disse que estava sentindo alguma coisa... O que você tem?” Agenor respira fundo antes de responder: “Estou no início de uma doença degenerativa e incurável chamada Alzheimer. Dr. Anselmo disse que não há o que fazer, ela é progressiva: terei momentos de irritabilidade, alterações de humor, falhas na linguagem, confusão mental e finalmente a perda da memória. É uma questão de tempo... Tomei coragem para te contar hoje porque tenho medo de não conseguir me lembrar para contar amanhã. Passei esses anos carregando esse segredo comigo, esse peso, essa angústia de não poder dividir com você esse filho. Tive medo e vergonha. Ele é um rapaz muito bom, não tem culpa de nada e sabe tudo sobre você, chegou a dizer algumas vezes que queria conhece-la, eu é que não sabia como fazer... Em poucos anos poderei estar num grau de debilidade tão avançado que não me lembrarei do meu filho e nem mesmo de você. É como estar morto em vida." Dodôra também está muito abatida, tem seu olhar vago, procura encontrar o equilíbrio e desabafa: "Se você desabou por eu ter abortado o nosso terceiro filho, como acha que eu me senti? Sua dor foi maior do que a minha? Foi de mim que o sangue escorreu pelas pernas, foi parte minha que morreu naquele dia, carne da minha carne... mas eu não prevariquei, não traí você, nem fui buscar consolo para a minha dor na cama de outro homem". Agenor morde os lábios, desvia seu olhar para o lado, depois para baixo; seus ombros caem, não há mais o que dizer. Ele empurra o prato da sopa, cobre os olhos com as mãos e chora alto. Dodôra, emocionada, se levanta do seu lugar à mesa, se aproxima de Agenor, o abraça afetuosamente e chora também. Agenor olha para Dôdora e diz: "Estou com medo..." Dôdora responde: "Eu também!...Agenor morreu poucos anos depois daquela noite, na primavera de 1957, às vésperas de completar 70 anos. No funeral estavam sua esposa, seu filho André, sua nora e seus netos, Juliana de 4 anos e Guilherme de 2 anos. Ao contrário do que Dodôra pensava, que com a morte do seu marido iria ficar sozinha, a revelação do seu conturbado passado transformou-se em sua família no presente; um filho, uma nora e dois netos.
São as flores do pântano, vida que segue...


12-03-2014

          




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rtigos - Saúde e Atualidades


1906-2006 – CEM ANOS DA DOENÇA DE ALZHEIMER


Em 1906 o Dr. Alois Alzheimer descreveu o caso de uma mulher de 55 anos que fora internada por progressiva dificuldade de memória, de linguagem, desorientação e delírio de ciúme em relação ao marido. Após três anos a paciente faleceu e, examinando seu cérebro, o Dr. Alzheimer descreveu alterações muito características, que ficaram conhecidas como placas senis e emaranhados neurofibrilares.

O caso foi apresentado em uma reunião da Sociedade Médica do Sudoeste da Alemanha e despertou pouca curiosidade. Nos próximos 60 anos considerou-se a doença de Alzheimer como uma doença rara. É claro que neste período muitas pessoas idosas recebiam diagnóstico de demência, que era atribuída à deficiência de circulação cerebral e para qual se tentava, sem sucesso, medicação ativadora da circulação cerebral. Esta foi a época do auge da noção de esclerose cerebral.

A partir dos anos 60 o processo de envelhecimento da população nos países desenvolvidos acelerou-se, mais casos de demência passaram a ser reconhecidos, e o peso do problema sobre os sistemas de saúde e assistência social tornou-se mais significativo. Estudos de diferentes aspectos das demências se multiplicaram. Necrópsias sistemáticas rapidamente mostraram que a maior parte dos idosos falecidos com demência, apresentava as mesmas alterações da supostamente rara doença descrita no início do século XX.

Com a real dimensão do problema sendo reconhecida, a expressão “epidemia silenciosa” foi cunhada, nos anos 70. Ao final dos anos 70 verificou-se que, na doença de Alzheimer, há uma significativa redução na disponibilidade de um neurotransmissor chamado acetilcolina, que está envolvido nos processos de aprendizado e memória e cuja deficiência pode explicar parte dos sintomas da doença.