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A eternidade é o
momento que se renova

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γνωθι σεαυτόν
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sexta-feira, 27 de abril de 2012

SPAGHETTI...



O tempo e a maturidade me ensinaram algumas coisas, agora entendo que o Lar da nossa infância não é um um local das lembranças, construído de tijolos e pintura na parede, o Lar não é feito de pedra e tranca na porta, nós somos o Lar e onde estivermos, ele estará conosco.

Texto de 27 de abril de 2012



H
á duas horas cheguei do trabalho cansado e com fome. Pensei em fazer alguma coisa rápida e lembrei do macarrão. Peguei panela, massa, sal, óleo... Reparei que a panela era pequena. E agora? Pensando bem a panela não era assim tão pequena, bastava quebrar o spaghetti ao meio. Foi estranho pensar nisso, “quebrar o macarrão ao meio”... A família de onde eu nasci não faz isso. Sou um velho longe de casa, mas tenho alguns conceitos construídos desde criança. Lembro que eu tinha 5 anos quando vi uma propaganda na TV de uma marca de macarrão, a TV naquele tempo era em preto e branco e o tubo era
 meio arredondado. Na propaganda surgia um menino parecido comigo que quando colocava o macarrão na boca, fazia um biquinho e o macarrão sumia em sua 
como uma língua de cobra para dentro da sua boca, e ele sorria. Eu ficava fascinado com aquilo. Queria ser aquele menininho. Comíamos muito macarrão em casa, sou de origem italiana, mas por mais que eu tentasse, não havia jeito de colocar aquele spaghetti pra dentro como aquele garoto fazia... Um dia minha mãe disse: “Filho, tem que estar bem amanteigado...” Eu não disse nada, só abri os zoihão quando ela disse isso. Claro! Tinha. Fomos tirar a prova no almoço do dia seguinte. Minha irmã de três anos e meu irmão bebe dormiam. Era só eu e minha mãe... Fiquei do seu lado vendo passo a passo aquela mulher alta e branca como a neve preparar minha comida. Minha mãe gostava de cozinhar cantando, eu conhecia várias músicas da Dolores Duran, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba, Marlene, Maysa, Ângela Maria... Várias vezes a ouvi dizer que gostaria de ter sido cantora. Como sempre fazia, minha mãe pegou um punhado de macarrão na mão direita e levava a esquerda em direção ao spaghetti para quebrá-lo ao meio. De repente eu dei um grito: “Não!” Minha mãe se sacudiu toda. “O que foi menino?” Então falei: “Na TV o macarrão e bem comprido...” O segredo estava desfeito. Minha mãe havia dito que o macarrão deveria ser amanteigado e sem queijo e eu completei dizendo que deveria ser comprido... A mão esquerda da minha mãe recuou, pegou a panela e colocou o macarrão inteiro dentro sem quebrá-lo. Depois de pronto ela escorreu a água, colocou o spaghetti numa travessa e encheu de manteiga. Corri para a mesa e fiquei esperando que me servisse balançando as perninhas de ansioso que estava. Separei um fio de spaghetti com o garfo, levei a boca e 
sorvi... Abri um lindo sorriso
de criança e minha mãe sorriu comigo, fizemos igual ao garoto da TV. Gotas de manteiga se espalharam pelo meu rosto, por minha roupa... Mas quem estava se importando? Estávamos nos divertindo e fazendo uma coisa só nossa. Que saudade! Acho que por causa daquele dia minha mãe nunca mais preparou um spaghetti partido para mim, não importava quantos anos foram passando, a macarronada sempre vinha inteira para o meu prato. Abri os olhos, acordei adulto de novo em frente a panela fumegando com fome e com o spaghetti na mão. Levei minha mão esquerda em direção a direita que segurava o spaghetti e parti o macarrão ao meio. Antes que eu pudesse me sentir um traidor do combinado com minha mãe há 49 anos, ocorreu o contrário, senti o calor da sua presença. Apesar dela estar vivendo num asilo na Tijuca e com avançado estágio de Alzheimer, senti intensamente minha mãe aqui comigo me autorizando a quebrá-lo; e fizemos juntos o meu jantar. Sempre tive uma vida corrida, casei duas vezes, tive 4 filhos, morei em milhares de lugares, mas hoje uma panela pequena me fez sentir a presença de minha mãe aqui na cozinha, diante do fogão, temperando minha comida de saudade. Enquanto escrevo essa frase ainda sinto o calor da sua companhia, logo vou me deitar, quem sabe ela não me canta alguma coisa antes de dormir?

Quem sabe... 
Boa Noite.


27-04-2012
dedicado ao amor das mães,
que a distancia e os anos não se deixa apagar




sábado, 21 de abril de 2012

MEU CÁRCERES PARTICULAR



Tenho feito mais amigos nos últimos 8 meses do que nos 8 anos anteriores... Um desses amigos é a Sandra, uma jornalista, escritora e acima de tudo um ser humano. Mencionei num texto antigo que o mundo é habitado por uma horda de Fdp e uns poucos seres humanos; ela se encaixa no segundo grupo. Estou mencionando Sandra porque numa conversa ela me contou que esteve a trabalho num cárceres "estourado" por policiais. Sei que estou exagerando, melodramatizando (sou geminiano o que você espera de mim?), mas aluguei um quarto em Botafogo e na primeira noite dormi entre paredes virgens das minhas emoções, ao lado de móveis carrancudos, impessoais e surdos das minhas histórias, sem meu cheiro, seco das minhas lágrimas, distante das minhas objeções, então lá pela meia noite a lembrança do cárcere veio a minha mente. Sinto-me um meliante preso por minhas ações... Ou conforme a frase atribuída a Pablo Neruda "Você é livre para fazer suas escolhas, mas prisioneiro das consequências" Ontem Iza me ligou, uma jovem velha amiga de muitos anos. Não nos falávamos a tempos. Sobre a nossa rápida conversa uma frase me chamou atenção: ela disse que vivemos dias em que a adaptabilidade é mais importante do que a improvisação... E para completar a ex-senhora B me enviou um e-mail dizendo que as mudanças fazem parte da vida, nos fazem renascer... Para alguém como eu que ama a rotina, alguns conceitos são como ter na ponta do garfo um grande pedaço de carne... eu preciso cortar em pedaços menores para conseguir digerir esses conceitos sem engasgar...  
É a obra prima de Deus falando comigo. Deus e suas mulheres. São as mulheres que não permitem que o mundo imploda. Se eu não gostasse tanto de ter um pinto, a ideia de ser uma mulher não é absurda. Elas estão 10 andares acima, mais próximas do céu católico, mas próximas da sensibilidade de Deus, mais próximas da visão mais clássica e pura da palavra humanidade... Ok, possivelmente eu seria uma mulher gay. Em meados dos anos 80 eu ouvi uma pregação de um pastor falando sobre O Tempo, o Agora e o Depois. Foi marcante, até hoje me recordo das suas palavras, mas quando ele disse que daqui a 100 anos ninguém saberá como eu era, o que fiz e o que vivi... Me ajudou a ver que eu não sou o centro do Universo e que o Sol não gira ao meu redor... Se eu fosse aquele comunista clássico que não aceita a existência de Deus, que não existe salvação e não existe o dia seguinte da morte, eu estaria tranquilo como uma criança bebendo leite quente nos seios de sua mãe... Você pode não concordar comigo, mas milhares de povos ao longo de milhares de anos dizem que a vida e a morte são continuidades da existência em planos diferentes... Acreditar nisso me faz dar pesos e medidas as minhas ações. Me faz acreditar que não existe buraco fundo e secreto suficiente para encobrir atitudes desastrosas e escolhas de uma vida. Eu sei que poderia ter sido um filho melhor, um pai melhor, um marido melhor e uma pessoa melhor do que tenho sido, ainda que acredite que não sou uma pessoa má, apenas uma pessoa... Não quero ofender aos judeus, mas até Hitler tinha momentos de ternura com crianças arianas e fazia festinhas em suas cabeças loirinhas enquanto dizia: Linda criança germânica... Nada é absoluto, nem a bondade e nem a maldade, mas ser apenas uma pessoa de atitudes boas me parece relativamente pouco. É estranho pensar que que daqui a 100 anos ninguém saberá sobre as coisas que realizei e no que acreditava. Em que eu baseava minhas atitudes, de que tintas eu pintava meus sonhos, de como eu entendia a constituição do amor e em que crenças eu depositava meus respeitos... Caso essa tecnológica possa me fazer sobreviver a esse tempo e um Cacilias do final desse século descubra fragmentos sobre mim, gostaria de dizer a ele que não existe espaço no mundo cibernético que pudesse conter descrições sobre a minha vida, das minhas paixões, das certezas de minha alma, assim como o Universo não teria espaço para que cada um desabotoa-se sua existência e desnuda-se suas vísceras... Uma vida é tão absolutamente grandiosa quanto são as estrela que possam caber no infinito... 
Mas ao menos, você do futuro, saiba que 100 anos atrás, numa noite solitariamente pessoal e indivisível, dormi entre paredes pintadas de ausências;
e chorei por minhas faltas... Uma noite em meu carceres particular...  


Ricardo Cacilias



quarta-feira, 11 de abril de 2012

HORA DO FODA-SE...

A rotina é como refresco de caju, todo mundo pensa numa segunda opção, mas quando chega aos lábios é uma delícia. Na rotina encontramos o conforto da falta de surpresas, revemos fotos antigas e não nos perdemos em nossos trajetos... Meus dias tem sido de crises cronicas e sem o colo quente e perfumado da rotina que me acalenta... Quando acordo meu coração está na segunda gaveta da comoda, meus pensamentos debaixo da cama e minhas coerências espalhadas pelo quarto... Como dói acordar! Seria muito confortável depositar minhas culpas nas costas de Lúcifer ou nas costas de Deus... Que merda! Tanto Deus quanto Lúcifer não se prestam a testas de ferro das minhas atitudes. Queria ter meus pais vivos me incomodando com seus alertas, avisos irritantes, conselhos não solicitados... Queria ter esse amor de volta, farol de minhas noites intermináveis...  Mas sou um velho de pais mortos, sem voz que me defenda, sem colos, sem família... Acordei as 8hs e não vi café na mesa. Com um grande rolo de fita durex fui me recompondo o suficiente para formar uma imagem humana; nada espetaculoso, apenas uma imagem. Lembrei de quantas horas tenho pela frente: 10, 12 15hs?!?... Essa legião de adolescentes, não fazem ideia como é bom ter uma torcida, ter apoio incondicional, fazer parte de um time... A maioria não faz ideia de como é superar os limites sozinho! Já se passaram quatro horas desde que acordei, agora estou na lavoura, o sol é meu vigia, tenho quinhões para cumprir e metas a realizar... Aqui no meu peito tem um botão vermelho escrito "hora do foda-se". Ele desliga meus pensamentos, me faz um robô, alguma coisa entre o eu e o possível... Deixo para pensar quando não for mais preciso pensar... Logo será noite novamente e poderei me desmontar em volta da minha cama... Fico por conta de uma incoerente realidade até que o sono me liberte no fim do dia...

Ricardo Cacilias
dedicado.a.sexta.que.se.aproxima

terça-feira, 3 de abril de 2012

UMA HISTÓRIA DE AMOR



Eu não tinha nascido, mas já existia dentro de meus pais. Meu pai já morreu e minha mãe está doente, mas  são eles agora que vivem dentro de mim. Dias depois da minha mãe ter tido um sério problema de saúde e eu e meus irmãos termos sido chamados às pressas no asilo onde ela fica, eu estava sentado à mesa da cozinha na casa da minha tia. Era tarde da noite e tinha meu olhar perdido no vapor da minha caneca de café enquanto ela virava nuvem... Minha tia veio lá de dentro tão suavemente que a sensação que tive foi que ela se materializou na minha frente. Ela se sentou do meu lado e vendo que eu estava entregue a pensamentos, do nada começou a me contar como meus pais haviam se conhecido... Eu só conhecia os contornos dessa história, mas em silêncio e aquecendo a língua com café, ouvi detalhes que desconhecia. Meu pai trabalhava na capital de São Paulo, morava numa pensão simples na Avenida São João. Minha mãe era do Espírito Santo e depois que minha avó morreu em 1954, ela veio para o Rio morar na casa de um dos meus tios. Vidas em movimento que me buscavam. Meu pai nunca teve o convívio de uma família, meu avô colocou-o num colégio interno quando ficou viúvo, pois o talento para ser pai lhe escapava. De tempos em tempos meu pai vinha ao Rio visitar sua irmã. Minha tia, sempre muito vaidosa, um dia descobriu que próximo a sua casa morava uma costureira capixaba de mão cheia e de bom preço para formar clientela. Foi assim que minha tia conheceu minha mãe. Com o tempo minha tia foi se afeiçoando àquela moça que gostava de contar histórias da sua terra, que sabia cozinhar, costurar, cuidar de uma casa e era solteira. Tinha os olhos mais azuis do que um céu sem nuvens numa manhã de verão, sua pele parecia pintada de neve, seus cabelos eram castanhos claros e desciam encaracolados sobre seus ombros, às vezes ela deixava escapulir um olhar distante, meio triste, meio de saudade, sua voz era suave e doce... Nunca foi o grande projeto de vida do meu pai ser rico, de seguir carreira, de ser erudito, o que ele mais queria na vida era ter uma família! Comecei a existir quando minha tia decidiu casar meu pai com minha mãe. Minha tia escreveu uma carta para meu pai no início de agosto 1956: "...Uma linda moça de pais italianos veio morar aqui perto na casa do Paresqui; lembra dele? Aquele alto que você achou metido? Pois não é que a moça é irmã dele. Ela é de boa família, uma moça para casar, e deve ser fértil, ela tem 12 irmãos... Quando vier da próxima vez vou te apresentar a Malvina, mas não demore, moça assim não costuma ficar solteira por muito tempo..." Voltando do correio minha tia foi fazer uma visita à vizinha costureira: "Tenho um irmão trabalhador que está ganhando muito dinheiro em São Paulo. É um rapaz honesto, sério e responsável... Infelizmente ainda não encontrou a moça certa... Você quer conhecer o meu irmão Gelson?" Cada vez que minha tia dizia o nome do meu pai ela levantava o queixo... dava a ideia de que meu pai era um gigante! E mais cartas foram seguindo para São Paulo e na volta do correio outras tantas visitas eram feitas à costureira para falar mais um pouco do seu irmão Gelson. Assim nasceu o interesse de um pelo outro. Eles se apaixonaram pelas descrições que minha tia fazia deles. O coração da minha mãe, menina simples do campo, católica apostólica romana, deve ter emprestado a imagem do guerreiro São Jorge, matador de dragões, aos contornos de tudo que ouvia do meu pai... Por outro lado meu pai estava certo de que havia encontrado a porta que o levaria à sua família, afinal... Chegou o grande dia da vinda de São Jorge ao encontro de Lady Godiva. Era meados de outubro, manhã de sábado. Minha mãe estava na sala sentada na poltrona, de frente para minha tia tomando café, quando minha tia abriu o maior sorriso olhando para a porta. Meu pai havia chegado de São Paulo e ainda de mala na mão disse parado na porta: "Tem café para um viajante?" Minha tia se levantou rápido e minha mãe com o coração pulando, virou-se para ver meu pai, mas para sua enorme surpresa, meu pai tinha a mesma altura dela, ou dois dedos mais alto como eu sempre a ouvi dizer: 1,58 m. Acredito que não era exatamente o corpo que minha mãe esperava, mas meu pai se apaixonou por minha mãe no momento em que seus olhos azuis cortaram seu coração em duas partes, onde uma metade ficou com ele e a outra metade pulou para o lado do coração dela; nem um guerreiro lutaria contra aqueles olhos, certamente seria pecado. Então meu pai passou a lutar como Jorge para defender o sucesso daquele encontro. Falou, argumentou, sorriu, gesticulou, emudeceu em contemplação... Por fim, naquele mesmo dia, meu pai convidou-a para que fossem tomar um lanche na Confeitaria Colombo no Centro da cidade. Voltaram horas depois noivos e de anel no dedo, se casaram 3 meses depois e minha mãe foi morar em São Paulo. Nessa parte da história eu já estava de xícara vazia e de olhos úmidos... E pensei nos meus pais, não como pais, mas num homem e numa mulher que se desejaram e viveram juntos por 35 anos. Muitas vezes, para não dizer sempre, enxergamos nossos pais como parte integrante de uma instituição familiar,  esquecemos que eles são como nós somos, pessoas. Que tiveram seus caminhos e encontros para que nós viéssemos a ter, por nossas vez, nossos caminhos e encontros com o destino.
   
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Ricardo Cacilias
dedicado a minha alegria de
saber que meus pais se amaram muito