Eu nunca tive avô... Não igual a esses sorridentes das propagandas da Coca-Cola ou daqueles de cabelo branquinho nos lanches a tarde do McDonald's com os netos. Meu avô, pai do meu pai, conseguiu ser mais distante de mim do que meu pai foi. Meu avô era magro, calvo e muito alto... Acho que devia ter a altura que tenho hoje: 1,73 m. Você não acha muito alto? Para uma criança era um gigante... O pai do meu pai era um avô holográfico, como uma projeção de imagem, uma espécie de personagem... Acho que ele dormia de terno, estava sempre de terno fosse quantos 40º estivessem fazendo... Pensando bem, ele se parecia um pouco com o ator Henry Fonda já na idade avançada. Ele não gostava de criança, não que as odiasse, claro que não! Muito menos a seus netos. Mas eram 30 segundos cravados no relógio, o tempo suficiente para olhar, perguntar alguma bobagem, passar a mão na cabeça e dar uma leve pressão nas costas, tipo: ”... vai brincar lá fora..." Um dia desses escrevi um texto chamado: A HISTÓRIA DE UM MENINO. Eu conto uma passagem de um certo domingo de 1936 quando meu avô foi visitar meu pai no colégio interno. Meu avô ficou viúvo em 1932 e na sua visão das coisas ele preencheu as lacunas de sua vida da melhor maneira que achou... Sem querer filosofar sobre isso, mas uma decisão tomada no calor das circunstâncias pode afetar gerações de pessoas, suas almas, suas vidas... Minha família não tem vastos registros fotográficos dos ancestrais como algumas famílias têm. Brinquei certa vez com meu irmão Roberto dizendo que nossos antepassados eram ladrões de cavalos... Ele riu eu ri também, depois ficamos em silêncio, depois nos acolhemos no pôr do Sol dos nossos pensamentos... Quem foi o pai do meu avô? Que relações tiveram que fizeram do meu avô uma estátua que andava e colocou meu pai num colégio interno? Somos elos de uma infindável corrente... Se um dia eu acordasse num sonho delirante e me encontrasse sentado à mesa para tomar café com meu pai, meu avô, o avô do meu pai, e espalhássemos nossas vidas sobre a mesa como cartas de um baralho da vida... Ah, isso libertaria nossas almas aprisionadas por ossos secos que não foram enterrados, pois os “achos” virariam fatos e as dúvidas em certezas. Meu avô tinha olhos azuis, mas raramente fitavam os meus de verdade. Quase sempre, quando penso em meu avô é nos seus olhos azuis, eles estão lá em cima, a 1,73 m distantes dos meus... Numa tarde perdida nas lembranças de uma criança, vi meu avô fumar cachimbo, foi à única vez que vi acontecer. Eu gosto de cachimbo, da essência, do cheiro, do momento egoísta e pessoal que ele exige... Também fumo cachimbo, muito raramente, mas gosto! Avô é o nosso primeiro momento de perda, é quem nos faz pensar que a vida tem seus limites, mas também que as calçadas nunca acabam, mudam apenas de lado... Meu avô era um cara elegante, de farta cultura, tudo ele sabia, sabia dançar, tinha molejo, sabia sorrir na hora certa, sabia fazer uma mulher se sentir especial e única. Todas as mulheres que ele teve se sentiram dessa forma e ao seu tempo: Especial e Única. Sou um cara de sorte, tive 200 avós, todas "bem altas". Meu avô gostava de reunir os olhos em sua volta, falar de vinhos, daqueles lugares tão santos quanto exclusivos dos bem nascidos, da melhor raquete de tênis, do tipo certo de cavalo para se jogar polo, como a empregada deveria lavar o seu cashmere... Que avós tivemos?.... Apesar de toda a santidade que investimos em suas imagens, são tão iguais como eu sou, tão humanos como eu padeço ser... Parando para pensar melhor não tenho o direito de esticar meu dedo para qualquer direção, senão para mim mesmo... Eu ainda estou por aqui e posso fazer diferente! Em 1981 eu morava em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, e estava casado com a Tere. Numa noite quente sem estrelas meu pai me ligou: "Alou, Ricardo?... É seu pai... Tudo bem?" Meu pai sempre iniciava nossa conversa por telefone dizendo que era "meu pai", como se alguma vez isso não fosse claro para mim... "Oi pai!... Tudo bem???" "Ricardo, seu avô não está bem... ele foi para o hospital..." Seguiu um ligeiro silêncio, uma pausa, gosto de pensar que ele segurou sua emoção naquele momento. "O que foi, pai? Porque o vovô foi para o hospital?...” Meu pai achava que uma notícia ruim deveria ocupar os espaços do coração aos pouquinhos, como se uma bofetada pudesse ser recebida a prestação... "...O vovô morreu hoje de tarde, filho." Era 1981 e apenas muito recentemente, depois de ter virado um velho emotivo, pude chorar sua morte. Num desses dias que me peguei procurando meu avô dentro de mim, lembrei que ele tinha uma bengala preta e gostava de dizer que era canadense. Hoje acredito que não era por que ele precisava dela, mas lhe emprestava certo charme.... Eu nunca soube onde essa bengala foi parar, mas um dia quero ter uma igual. Quem sabe vou saber roubar das minhas lembranças a elegância de portar uma da mesma forma que meu avô fazia?... É... Quem sabe?... |
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terça-feira, 13 de março de 2012
A BENGALA...
Ricardo Cacilias
13-03-2012
dedicado a meu avô Manoel
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