Meu Blog

A eternidade é o
momento que se renova

Nosce te ipsum
Conhece a ti mesmo
γνωθι σεαυτόν
γνωθι σεαυτόν


sábado, 14 de janeiro de 2012

BLACKOUT...


A história e os personagens descritos são ficção. As
locações e o apagão de 2009 são reais. Qualquer semelhança
com pessoais vivas ou mortas e mera coincidência.


Que o meu relato servir de alerta aos milhares de maridos que vivem nesta cidade e aos milhões de homens que vivem neste país... Meu nome é Bernardo Pedrosa, tenho 30 anos e sou engenheiro de telecomunicações. Moro na Rua Jorge Barbosa Moreira, na Vila Ema, em São José dos Campos, quase em frente à igreja dos Mórmons... Minha história começa na noite do dia 10 de novembro de 2009, as 22:15 quando explodiria o maior blackout registrado na história deste país, atingindo vários estados e o distrito federal por longas horas...
.
Som de teclas batendo rapidamente...
.
21:48: "Ai caraaaamba! Estou atrasado, a locadora vai fechar...".
Era para ser apenas mais uma noite quarta-feira. Eu escrevia nervosamente meu relatório para a diretoria financeira da empresa, tinha que enviá-lo naquela noite por e-mail e sair correndo para devolver o filme na locadora; ainda teria que comprar alguma coisa no mercado para o meu jantar e outras coisas de uma listinha que Bárbara deixou comigo. Minha mulher é médica e tinha ido a capital visitar seu Alexandre, meu sogro andou sentindo umas dores no peito e ela ficou preocupada com o pai. Ela havia prometido que estaria de volta no dia seguinte. Como fico enrolado sem a minha mulher em casa!!! Bárbara é meu porto seguro, minha aliada, minha amiga, minha doce mulher.
.
22:01:  "Finalmente! E-mail para o financeiro, cópia para o aministrativo, acabou... Vou correndo na locadora, o mercado fica quase em frente...".
Saí estabanado catando chave do carro, caixa do CD "porra cadê o CD???... Hum, ainda esta dentro do equipamento!" Liguei o DVD, ejetei, coloquei o CD na caixa. Sai correndo. Abri a porta da sala, desliguei a luz, mas antes de bater a porta lembrei da lista da Bárbara "...mas onde ela colocou isso???" Corri pra cozinha e lá estava
BERNARDO e a Dra. BÁRBARA
grudado com um magnético na porta da geladeira, bem do lado da nossa foto de viajem a Bariloche em julho do ano passado... Ainda dei uma olhada no seu sorriso antes de sair igual a um ladrão... Moro no oitavo andar.
.
.22:13: "Cadê a droga do elevador??..."  
Reparei que o elevador estava parado no sétimo andar... parado... parado... ainda parado...Enfiei a cara na escada e gritei... "Amigão... pode largar a porta do elevador???  Estou com a maior pressa!!!!"  Ainda deu para ouvir alguém dizer baixinho... "Iiiih tem algum nervosinho com pressa, já vou indo... tchau!!! Te ligo..." A porta fechou e o elevador subiu para o meu andar. Pensei... "Que saco!!!"

22:14:  Sem graça e com cara de “bunda” fui dizendo: "Oi boa noite, foi mal, mas é que estou cheio de pressa... A locadora fecha às dez e meia..." Foi quando olhei para elajovem, bonita, uns 25 anos, lábios rosa escuro, nariz perfeito, cabelos de anjo rebelde, cheiro de perfume gostoso...
SIMONE
Ela falou meio sem jeito o que lhe deu um ar mais gracioso ainda. "Não, não... Eu que peço desculpas... Eu estava errada em segurar a porta do elevador..." Ela disse essa frase com um lindo sorriso, nossa que mulher linda!!! Meus hormônios começaram a produzir enzimas tóxicas, fiquei estúpido e perguntei:  "Você vai para qual andar??" Ela cobriu os lábios com as pontas dos dedos e riu de mim. "Estou descendo como você..." "Ah! É verdade! Que idiota... é claro!" Apertei o térreo.


O AUTOR E O ATOR SELTON MELLO
80 andar: "Eu tenho que entregar esse filme na locadora..." "Que filme é esse?" "É o Meu Nome Não é Johnny”, com o Selton Mello, achei muito legal..." "Eu vi no cinema, me amarrei..." 

70 andar: "Será que está chovendo?" (...ai que babaca, só um idiota pergunta isso para uma mulher!!!...) "Não sei, nem pensei nisso... Será???" 

60 andar: "Veio visitar alguém?" "A Lúcia Helena, ela é colega na Unifesp, vim bater papo..." "Legal..." De repente ouvimos um estalo e o elevador parou entre o 60 e o 50 andar... Tudo havia ficado no mais absoluto "breu" e num silêncio assustador. "O que aconteceu??" "Sei lá, acho que faltou luz..." Cheguei a ouvir vozes distantes... O mundo parecia ter evaporado... "Ai não estou gostando nada disso! Estou ficando nervosa, não suporto ficar presa... Grita ai, chama alguém!!" Eu me sentiria ridículo gritando “Moço, moço, socooorro... Estamos presas aqui!!!" Sabia que tinha faltado luz, que o zelador do prédio iria verificar se havia alguém nos elevadores... Mas disse para tranquiliza-la:  "Olha, estou com o meu celular, posso chamar alguém... Deixa eu sintonizar uma rádio..." Liguei na Joven Pan, estavam falando exatamente sobre a falta de luz: 
...e as autoridades municipais e estaduais estão em alerta geral! Repetindo. Um blackout atingiu várias regiões do País nesta noite de terça-feira. Por volta das 22h15 o fornecimento de energia elétrica foi interrompido em pelo menos quatro Estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso, além do Distrito Federal. Há informações de que Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraná e Pernambuco também estariam sem luz. O porta voz do Ministério das Minas e Energia ainda não se manifestou, estima-se que o Ministro Edison Lobão irá convocar uma entrevista coletiva a qualquer momento. As autoridades não dão previsão do retorno a normalidade...” Parabéns eu havia conseguido piorar as coisas... Foi quando ela entrou em pânico... "Preciso sair daqui, estou com falta de ar. Abre essa meeerrda!!!" Como se eu pudesse fazer isso. Deu pra ver que a tensão estava aumentando, resolvi ridicularizar geral e gritei pro "moço": "Oi, estamos presos no elevador... Alguém me ouve??"  Ela me empurrou pro lado e deu o maior berro estridente que ouvi em toda a minha vida a meio metro do meu ouvido: "SOCOOOOORRO!!!!" "Calma garota, calma!!!... Escuta o que vou dizer, me dá a sua mão..." Gostei de segurar aqueles dedinhos finos e gelados. "...eu estou aqui com você. Esquece que estamos no elevador! Você não está vendo nada mesmo, poderíamos estar em qualquer lugar. Não estamos herméticamente fechados, está entrando ar. Respira com calma e bem devagar, sinta o ar entrando nos pulmões, veja, eu estou tranquilo. Vai dar tudo certo! Senta aqui no chão, vou sentar aqui do seu lado... Qual é o seu nome?" Ouvi uma fungadinha... "Meu nome é Simone." "Lindo nome, meu nome é Bernardo. Acho que vamos ter algum tempo para nos conhecermos melhor... Vai dar tudo certo! Me conta, o que você faz na Unifesp?" Já não havia mais pressa, não fazia mais diferença entregar o CD antes de fechar a locadora, os sorvetes de todo mundo iriam derreter nos congeladores, os médicos e enfermeiras de centenas de hospitais estariam naquela hora histéricos nas UTI's com seus aparelhos desligados, os sinais de trânsitos estariam sem cor, milhares de pessoas como nós presas nos elevadores, pais procurando filhos e todos em pânico num mundo sem luz... Ficamos conversando durante muito tempo, ela falava, eu falava... Com o tempo eu até podia sentir que ela estava sorrindo das bobagens que eu falava... "Ai, estou ficando apertada!!" Só me faltava essa... Foi eu pensar nisso e a luz voltou, levei um tapa da luz nos olhos. Tive que cobri-los com as mãos e Simone fez o mesmo... Tínhamos ficado mais de duas horas e meia sentados no chão do elevador... "Vamos lá em casa... Você vai ao banheiro, lava o rosto, sei lá... come alguma coisa e eu te levo em casa depois... Tudo bem?" Ela disse: "Tá bom, mas vou de escada..." E saiu porta a fora do elevador e eu segui atrás.... Chegando em casa ela foi direto apara o banheiro e sabe-se lá por qual processo químico-bronco-humanóide, os fios da minha cabeça começaram a se embolar. Eu ainda estava tentando organizar meus pensamentos, encontrar meu equilíbrio quando ouvi a descarga no banheiro... Minhas pupilas dilataram. Fiquei excitado... Simone saiu do banheiro ajeitando a saia e veio na minha direção. Eu disse: "Que bobagem, você está linda, nem parece que ficou presa no..." Ela veio direto na minha boca e me beijou...  Meu coração disparou e minha língua ficou maluca... Aquilo não fazia sentido, nada fazia sentido... Ela me olhou direto na cristaleira da minha alma e falou bem baixinho como se estivesse implorando: "Faz amor comigo" Canalha, eu sou um canalha! Ela estava fragilizada, ou mesmo agradecida por te-la tranquilizado... Sei lá!! Eu estava na minha casa... Outro beijo e dessa vez ela me mordeu a língua. Da boca passou para meu pescoço e outra mordida... Suas unhas fincaram em minhas costas... Eu
estava perdendo essa guerra! Tirei minha camiseta de uma puxada só pela cabeça e joguei longe, estava me sentindo Burt Lancaster beijando Deborah Kerr na cena mais ardente de beijo na história do cinema. Maliciosamente com as mãos afastei as alças finas de sua blusa, meus dedos sentiram a textura de sua pele... A única coisa que não podia ter acontecido naquela hora,  que me daria um fôlego para pensar, aconteceu. Veio direto nos meus olhos como numa cena de 3D no cinema... ela estava sem sutiã... Beijos e mais beijos e fomos nos arrastando agarrados pro quarto... Fizemos sexo como dois macacos no cio, libertários, loucos, os últimos passageiros a embarcar para a terra da fantasia... Todas as mulheres antepassadas de minha família que nasceram depois de Eva estavam debruçadas na grande soleira da janela do céu e me encaravam com ódio. Podia senti-las! Gritavam freneticamente e gesticulavam de punhos fechados em minha direção: Canalha! Canalha! Canalha!... Quase em coro. Os homens, filhos de Adão, pais de meus pais... Assobiavam e aplaudiam de pé!!! Como Somos canalhas!!! Sei que nenhuma mulher irá me entender, mas o tempo e o Universo pararam de orbitar para que eu pudesse fazer amor com aquela mulher como se fosse a minha despedida da vida!!!... Quando a febre acabou fui ao banheiro jogar água na cara. Ainda pensei no caminho: "Essa culpa é da merda do Lula e dos seus cabos de transmissão deficientes... Se não tivesse tido o apagão isso não teria acontecido..." Eu estava 50% arrependido e 50% extasiado... Quando voltei ao quarto Simone saía do banheiro da suíte já vestida como se nada tivesse acontecido, linda, segura, serena, mulher!!! Ela se aproximou, me deu um abraço e disse baixinho no meu ouvido: "Deixei uma surpresa para você se lembrar de mim quando for se deitar..." Me deu um beijo, um pequeno papel rabiscado de batom com o seu telefone e foi embora!!! Estive no olho do furacão e agora só havia paz e um silêncio desconfortante... Não sei bem quem comeu quem, mas por algum motivo psíquico-molecular lembrei que era casado eque havia feito sexo com uma estranha na minha cama?!?!
O que foi que eu fiz??? E qual teria sido a porra da surpresa que ela deixou no meu quarto?? Quase duas da manhã e Bárbara chegaria daqui a poucas horas. Desabei sobre minha
cama, a luz do teto me acusava, fiquei olhando para todos os lados, olhei pro teto, olhei as paredes em volta e não vi nada diferente! Sucumbi... Cai num sono profundo ou desmaiei de cansaço... Na manhã seguinte levantei como se a cama estivesse cheia de pregos. Arranquei o lençol da cama, olhei minuciosamente cada centímetro... Nada! Arranquei as fronhas, virei para o lado para o outro. Nada! Me atirei debaixo da cama. Nada! Tirei o colchão de cima do estrado. Nada!... Olhei cada ripa de madeira do estrado. Nada!... Abri as gavetas das mesinhas de cabeceira, joguei o conteúdo das gavetas no chão, olhei tudo... Nada! Olhei atrás da porta do quarto, atrás da porta do banheiro da suíte, debaixo do telefone... Nada! Levantei os tapetinhos próximo da cama, olhei atrás das cortinas, olhei atrás do espelho, atrás do quadro... Nada! Eu estava ficando maluco com aquilo. Pensei: "Ainda bem que Bárbara só chegará a noite, eu tenho ainda um tempo para procurar." O telefone tocou: "Oi amor, está sentino a minha falta? Dormiu bem?" "Oi Bárbara..." "Vai dar para chegar mais cedo, papai está bem, estou na rodoviária quase entrando no ônibus... Está tudo bem mesmo??? Achei sua voz estranha... Aconteceu alguma coisa no apagão??" "Claro que não!!!... O que poderia ter acontecido????... Eu estava aqui em casa... Dormi o tempo todo..." "Ok?!?!... Estou indo para casa, não demoro amor. Tchau!" Fudeu! Fudeu geral... O que a Simone deixou aqui em casa para eu lembrar dela quando eu fosse dormir??? As buscas reiniciaram, mas agora freneticamente, o pavor havia tomado conta de mim... Até na lixeira do corredor do prédio fui olhar, debaixo da geladeira, dentro do forno, a trás do microondas, na máquina de lavar, no sexto da roupa suja.... Passei o aspirador de pó na casa toda... Eu estava perdido!!! As horas passaram muito rápido... Ouvi a chave rasgando a fechadura da sala, era Bárbara! Não sabia mais o que fazer. Lancei mão da última forma de descobrir o que afinal Simone havia deixado aqui em casa para que eu me lembrasse dela quando fosse dormir, iria ligar para o seu celular... Eu tinha certeza que Bárbara descobriria imediatamente o que era, mais rápido do que um relâmpago, as mulheres são feiticeiras, além de terem um olhar de raio x, elas leem nossas mentes... Estou perdido! "Bernardo, onde você está meu amor???..." Fugi para o banheiro, me tranquei e me ajoelhei no canto do box. "Alou..." Aquela voz doce de novo no meu ouvido. Sussurrei baixinho tentando transmitir segurança: "Oi Simone, sou eu Bernardo..." "Oi meu herói, que bom que você ligou..." Eu não queria passar a ideia de ser um estúpido, ignorante, grosseiro, covarde e assustado, por isso caprichei na voz e perguntei: "Fiqueeeiii tãaaaooo feliz sobre tudo que aconteceu que não achei..." "Alou, Bernardo, a ligação está falhando, estou te ouvindo muito baixinho..." "Bernardo você está ai no banheiro? Abre a porta, meu amor... Quem fez essa bagunça aqui no quarto??... Bernardo!!..." "Não achou o que???" "Você sabe... aquilo... Você sabe..." "Não sei do que você está falando..." "Você disse que tinha deixado alguma coisa no meu quarto para lembrar de você quando fosse dormir... O que foi... Me diz, vai..." "Bernardo foi um assalto?? Você está bem??" "Puxa você não sentiu nada diferente??..." "NÃO!!! Quero dizer, nãaao. Tudo ficou tão especial e
Clique aqui para mais Glitters Gifs Animados
diferente depois que nós... Aaah, me fala, o que você deixou aqui em casa que eu não achei Simone???" Com voz gelada e distante ela disse: "Todo homem é igual, nascem com bolas demais e  sensibilidade de menos. Eu deixei três gotas do meu perfume no seu travesseiro..." Passados mais de 2 anos, até hoje quando entro no quarto distraído me pego olhando em volta e fico me segurando para não olhar debaixo da cama... Não existe homem santo, todos foram queimados na inquisição católica entre os séculos 16 e 19, então o melhor a fazer é vigiar, vigiar e vigiar... No mais, negue sempre...   
.
Bernardo Pedrosa

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

UM LUGAR PARA FICAR...







                                        Que fome. Já passa da meia noite e chove muito. Apesar de ser janeiro à temperatura está agradável. Através da janela de outra pessoa vejo que o céu e a chuva parecem os mesmos, os números do relógio, o som do tic-tac, até o silêncio não mudou, eu é que não me reconheço. Acho que as mudanças fizeram da minha vida seu ninho... Esse casamento desfeito me colocou do lado oposto da porta, agora o olho mágico não aumenta mais as imagens, só as diminui. Dias antes de sair fiz preparativos como se fosse viajar para o outro lado do mundo, mas atravessar a rua sozinho e colocar meus pés na calçada oposto, viria a ser o lugar mais distante que cheguei... Como é difícil desfazer-se de quinquilharias! Durante séculos guardei coisas como se fossem o corpo embalsamado de um faraó da mais nobre dinastia. Um olhar pouco severo me fez ver que as "preciosidades" não passavam de papéis amarelos e objetos de pouco valor. Beatriz quis dividir de alguma forma os móveis, os talheres, as roupas de cama... Nossa! Uma tela de Picasso faria mais sentido do que saquear minha casa e deixá-la banguela, cotoca, desguarnecida. Uma vez escrevi: "A maior conquista de um guerreiro é conservar a sua integridade e os dedos que seguram a espada, pois dependerá deles na batalha do dia seguinte." Com uma caixa de papelão pesada cheia de "preciosidades", caminhei para a porta como se o chão fosse de manteiga, quis dizer alguma coisa, mas estava com a garganta travada! Se não fosse a bruta vergonha que senti na hora, teria chorado como uma criança no seu primeiro dia de escola. Só não queria passar pela porta encurvado... Dez dias antes eu havia ligado para a irmã do meu pai e tivemos a seguinte conversa: Tia:"Alooouu." Ricardo:
ROBERTO  &  TIA
"Oi, tia, sou eu..." "Você soube que tive que remover-um câncer de pele em meu rosto? Levei 10 pontos!" "Sim, tia, eu soube. Fiquei feliz em saber que correu tudo bem..." "Não me venha com essa, você foi incapaz de me ligar e nem veio me visitar!" "Eu sei tia... Olha, foi mal! Tem coisa demais acontecendo. Minha vida está meio confusa... Eu liguei porque estou precisando de uma ajuda." "Ah sim? O que foi?" "Eu preciso sair daqui de casa. Preciso de um lugar para ficar por um tempo, apenas enquanto procuro uma casa nova... Posso ficar ai?" A resposta veio na sequencia: "Mais claro que não!" "Não?!? Como não? Esse apartamento tem três quartos, a senhora vive sozinha..." Percebi a tempo que havia ficado nervoso de mais para continuar a conversa e que não havia considerado a possibilidade de uma recusa. Dei uma respirada e continuei: "Tudo bem tia... Ninguém é obrigado a abrir a sua casa para os outros, mesmo que seja para um afilhado... Eu ligo outra hora." 
ROBERTO  &  RICARDO
Desliguei. O universo precisou de poucos instantes para se revelar infinito... Então liguei para meu irmão, contei a mesma história e ele disse: "Tudo bem, venha e fique o tempo que precisar..." Foi quando voltei a sentir o chão debaixo dos meus pés e o formigamento do meu ventre diminuir. Minha cunhada Carla está grávida de um menino e eles só têm dois quartos: o deles e do meu sobrinho Guilherme. Não que eu me importasse de dormir no travesseiro do Pateta e me cobrisse com o lençol do Batman, mas fiquei constrangido com tudo isso e disse ao Beto: "Cara, fala com tua mulher, a casa é de vocês. Isso tudo é muito chato. Conversem, eu ligo mais tarde..." Desliguei. Já ia me levantar quando o telefone tocou, era minha tia: "Tudo bem, pode vir, mas não deixe de procurar uma casa para você, ninguém deve viver de favores..." Pensei na hora: "Minha viajem para o outro lado da calçada está apenas começado..." Dez dias depois, aqui estou, na casa da minha tia, olhando pela janela de alguém a chuva que pertence a todos, revendo meus filmes em preto e branco, colecionando perguntas e poucas respostas. É engraçado ser tratado como criança. Minha tia tem 82 anos e muito lúcida, mas esquece que já passei dos 50. Agora a pouco tomei banho e me vesti para sair e comer alguma coisa, no meu caso tristeza abre o apetite. Para ser discreto saía pela porta dos fundos até ser sacudido por uma voz: "Onde você vai?" "Vou comer alguma coisa..." "Bobagem, tem tudo em casa. O que você quer?" Fechei a porta e fiquei até emocionado com esse carinho... "Sei lá, eu... Quem sabe um bifão mal passado na manteiga com bastante cebola e um copo de coca gelada!?" Minha boca fez água e meus olhos se expandiram com a testa que os puxou... "Vai pra sala!" Minha tia seguiu para a cozinha e fui me sentar a cabeceira da mesa. Meus olhos flutuavam pela sala, um forte tic-tac vinha de um relógio antigo atrás de mim, olhei para os quadros desalinhados, para o arranjo de bibelôs de cristal na estante e as cortinas balançavam em câmera lenta. Pensei na minha casa "do outro lado da calçada", senti um imenso vazio e a sensação de ter deixado braços e pernas na casa antiga era muito forte. O silêncio fazia parte da decoração, exceto pelo som da chuva forte chocando-se contra as vidraças. Fiz um trato comigo mesmo, não importava como chegasse o tal bife, ele seria elogiado como se fosse a carne mais gostosa do mundo. "Que fome!" Minha tia entrou na sala com ares de formalidade, tinha as mãos uma bandeja de prata manchada e mal polida. Colocou as seguintes coisas diante de mim: Meio pacote de biscoito cream-cracker, uma latinha de atum no óleo, um concentrado de manga, uma garrafa com água, uma cambuca de gelo e disse: "Não tenho carne, mas tenho esse atum maravilhoso. Sempre guardo uma latinha em casa para uma emergência... Tudo bem?" Minha consciência se agarrou a minha língua e meu coração o microfone da alma e respondi: "Claro, tia!... Eu adoro atum em lata..."

Feliz 2012, vou procurar fazer o mesmo.

11-01-2012



sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O HOMEM QUE SABIA ASSOBIAR...

vou contar o que sei sobre
König Callaghan



Foi há muito tempo...
Há pessoas que dizem que isso é história de velhas tecedeiras para passar o tempo, enquanto trabalhavam a lã sob o Sol fraco da primavera; mas há quem afirme que König Callaghan existiu e ainda levantam o braço para apontar onde ficava sua casa. Foi no início do verão de 1938 na quase deserta península de Fanad, no condado de Donegal, extremo norte da Irlanda. Numa noite que poderia ser qualquer noite de neblina sem estrelas, sobre os rochedos salgados das encostas, próximo ao antigo farol, uma pequena pluma se aproxima cavalgando, hora agarrada numa brisa, hora em outra. Subia, caia, flutuava, mas parecia seguir um traçado imaginário entre ela e o seu destino. Ao passar por uma das poucas casas que havia lá embaixo, a pluma foi perdendo altura suavemente, parecia parada, mas se movia quase em linha reta; de um jeito que deixou o vento forte da madrugada sem entender tamanha serenidade. Ela pousou no telhado de uma casa, junto da chaminé, e ali ficou. A casa era de König Callaghan.
Callaghan era um irlandês carrancudo e mal humorado, que vivi ali sozinho havia muitos anos. Ninguém sabia ao certo sua idade, uns diziam que ele tinha 50, outros que já passava dos 70; seu mau humor e rabugice mantinha a todos longe do seu convívio. A casa de Callaghan havia sido construída por seu avô e fora reformada anos depois pelo seu pai, o velho Sean Callaghan, um pequeno criador de ovelhas da região. Era uma casa de pedra caiada com um telhado de palha, colhida no verão nas ceifas do campo. As palhas eram trançadas em cordas e as pontas fixadas em estacas de ferro cravadas na parte de cima das paredes grossas. Era uma técnica antiga, mas eficiente, resistia muito bem aos constantes ventos que vinham junto com o outono. No inverno mantinha a casa aquecida e no verão espantava o calor.
Casa da família Callaghan 
Sec. XX - Anos 30
Todas as noites riscos de luz do Farol de Fanad, a poucas milhas de sua casa, entravam pela janela adentro do seu quarto voltada para o norte. A luz do farol vinha para provocá-lo, incomodá-lo com a lembrança de um mundo vivo e vibrante, além das paredes da sua vida. Nem sempre fora assim, sua casa já esteve cheia de pessoas, uma família, mas as circunstancias que molduram o tempo tratou de levar um a um embora. Na manhã de um domingo nublado o velho Sean não acordou, morreu de velho, disseram. Colocaram seu corpo junto ao da esposa, no pequeno cemitério do vale. Callaghan pareceu
não se importar muito, depois dos cumprimentos dos vizinhos, foi para casa, sentou-se na frente da lareira e ficou por horas olhando a dança das chamas, vez por outra tragava seu cachimbo com força, mas deixava a fumaça sair lentamente dos seus pensamentos; sua esposa o deixou quieto com suas lembranças. Num outro dia, com um assobio alto e agudo, chamou seu cachorro para comer e entrou em casa. A botija de comida ficou cheia durante todo o dia e a noite inteira. Na manhã seguinte Callaghan se abaixou para pegar a botija, a esvaziou batendo contra o machado cravado num toco de madeira, olhou para longe com uma leve pressão das sobrancelhas sobre os olhos, respirou fundo, inclinou a cabeça e entrou pra dentro de casa... Cathleen era uma mulher silenciosa, aprendeu a agir e a se movimentar conforme os humores do marido. Tiveram dois filhos. Os quatro pareciam imagens em movimento, como peças que compunham a decoração da casa. Apenas estavam lá. Haviam distancias provocadas por um coração amarelado, como as páginas de um livro que não se pode mais ler, pois o tempo desgastou o seu texto... Por fim, um dia ao voltar da lida do campo, como aconteceu com seu cachorro, sua mulher e filhos não apareceram para almoçar, colocaram seus motivos na mala e se foram também. Ao chegar em casa Callaghan encontrou sobre a mesa da cozinha o almoço pronto, um prato e talheres. Sentou-se como se já entendesse o que havia acontecido. Almoçou olhando para porta aberta, talvez esperasse que voltassem, talvez pensasse em segui-los, talvez apenas olhasse... Um tempo depois recebeu uma carta da cidade de Cushendall, mas nunca abriu. Guardou a carta debaixo de botas velhas no quarto que era dos seus pais, e ali ficou. Durante o dia, conforme a direção do vento, era possível sentir o cheiro forte da maresia e a noite, misturado com as brumas, o cheiro doce das matas primitivas que cresciam nos campos ao redor e nas montanhas mais ao longe. Num certo dia, após uma manhã de rotina de trabalho com algumas ovelhas e plantações, Callaghan havia almoçado seu carneiro pincelado com mel, recheado com folhas de hortelã e algumas batatas assadas. Ele não gostava de cozinhar, mas essa comida em especial lembrava sua mãe; foi com ela que ele aprendeu a fazer. Ele tinha oito anos quando a senhora Nolan morreu de tuberculose. Isso foi um desastre na sua vida. Talvez como defesa de uma criança triste, ele criou uma fantasia na sua cabeça de que sua mãe não havia morrido, mas ido visitar parentes do outro lado da Irlanda e que ela voltaria um dia. Desceria a colina ao seu encontro, como fazia quando voltava para casa e ele correria em sua direção. Callaghan não viu o corpo de sua mãe, o caixão permaneceu fechado até ser baixado a terra, como era costume fazer naqueles dias quando alguém morria dessa maldita doença; isso só fez aumentar o seu sentimento de que sua mãe estava viva... Mesmo agora, velho e amargurado, em algum lugar daquele coração seco havia a umidade da sensação de ver a senhora Nolan descendo colina abaixo, voltando pra casa... Naquele  almoço  bebera  uma
caneca a mais de vinho do que de costume, ao pensar em sua mãe, levantou a caneca como a um brinde e a esvaziou em poucos goles. Resolveu caminhar pros lados do farol para desgastar a comida e o vinho, o trabalho que esperasse um pouco. Após andar por meia hora, sentou-se numa pedra arredondada junto a um tronco seco e recostou-se, a brisa acariciou sua barba, as sombras das folhas, filhas do Sol e o vento, dançaram sobre seus olhos e ele se entregou ao sono... Estando em sono profundo foi despertado ao ouvir o seu nome. Seus olhos abriram assustados e ao se virar levantou-se lentamente e assombrado. Viu a imagem de Cathleen e de seus filhos vestidos de fantasma. Estavam a sua frente silenciosos, apenas olhavam. Seu espanto não foi maior do que seu medo, muitos anos se passaram sem ter recebido sequer uma visita, ainda mais assim, de pessoas que não pisavam no chão... Nada falou, não se moveu, apenas se olhavam. Seu coração se debatia como as asas de uma gaivota presa na rede de pesca, seu peito tremia, um terremoto foi revirando as terras da sua emoção, ou antes, melhor, foi colocando as coisas no lugar... Saudade misturada com arrependimento, misturados com solidão, misturados com ventania, misturados com o vazio que nada mistura... Callaghan levantou suas mãos como se quisesse toca-los... Seus fantasmas sorriram e ele sorriu também, mas junto veio um pranto e ele caiu por terra e chorou muito...
Não se sabe quanto tempo se passou, mas quando Callaghan se levantou o Sol já não podia ser visto, estava atrás da linha do mar e no céu restava uma explosão de cores confusas que nem definiam a noite e tão pouco lembravam o dia. Ele olhou em volta e estava só, procurou seus óculos, limpou a roupa suja de terra e chegou a pensar o que diriam se o vissem daquele jeito caído no chão como um bêbado... O que aconteceu? A explicação não era tão importante quanto o efeito produzido... Um véu qualquer foi rompido entre ele e a sua vida, parecia que seu coração havia sido lavado com a água salgado do mar a sua frente. Voltou para casa caminhando lento, olhar perdido sobre o mato seco e os cascalhos do caminho. De repente, veio de dentro, do mais fundo do que ele poderia sentir. Callaghan começou a assobiar uma antiga canção irlandesa. Seu rosto abriu iluminado e um enorme sorriso adormecido cresceu debaixo do seu nariz... 
Ele assobiava e sorria...
Naquela noite König Callaghan foi se deitar mais cedo, as primeiras estrelas ainda estavam acendendo quando seu corpo afundou no colchão de lã de ovelha que pertencerá a seus pais. Por alguns instantes seu olhos deslizaram pelo madeiramento manchado do teto como se procurasse alguma coisa... Novamente e como em todas as noites, riscos de luz do farol da península invadiram sua janela, mas dessa vez sua raiva costumeira deu lugar a um sentimento de boas vindas. Um leve sorriso de cumplicidade surgiu no canto da sua boca. A decisão estava tomada, nas primeiras horas do dia seguinte pegaria seu boné e iria para Cushendall, iria atrás do endereço do envelope, que um par de botas velhas guardou por anos. Iria procurar seus fantasmas que viviam por lá. E adormeceu...
Neste instante um vento quente suspirou lá fora e tirou do lugar à pequena pluma que estava junto à chaminé. Ela elevou-se no ar, rodopiou várias vezes, subiu, subiu, até perder-se entre as nuvens... 
O verão estava apenas começando...

Lighthouse at Fanad Head, Donegal Peninsula, Co. Donegal, Ireland



 06-01-2012






 Conheça a terra do König Callaghan,
    Península de Fanad, no condado de Donegal, 
    extremo norte da Irlanda.  
           .