
Não fiz o tal peixe, encarei um sanduíche de queijo branco com orégano e jantei sozinho em companhia de três cadeiras vazias e uma estúpida lâmpada no teto que piscava vez em quando... Novembro de 1983, meu irmão tirou a carteira de motorista... Eu morava nesta época em Novo Hamburgo na região metropolitana de Porto Alegre. Faceiro com um ícone nas mãos, a carteira de motorista, sonho dos adolescentes de classe média quando completam seus 18 anos, Roberto logo depois comprou um carro usado... um Chevette bege. Já era tarde da noite quando ele voltava para casa, na Tijuca. Ainda inexperiente, calculou mal uma curva na Praça Alfonso Pena e bateu de leve num carro estacionado no meio fio. Que merda!! Parou imediatamente, saiu do carro e foi olhar os amassados... Nada relevante, mas para a cabeça de um adolescente, sozinho, de madrugada, excitado com as novidades, as coisas tendem a parece bem pior do que realmente o são! O sangue desceu, ficou branco como uma vela nova, a boca secou e o coração disparou. O que vou fazer?? Pensou! Nisso, do outro lado da rua, uns caras bebendo cerveja num botequim, atraídos pela movimentação, saíram do boteco e foram se aproximando. Em sua mente confusa tinha certeza de que o carro era de um deles. Vou levar porrada... Não, vão me matar... Preciso fugir!!! Como ao volante do batmóvel, Roberto se pirulitou para fora da zona de perigo. Dirigia certo de que “eles” o estavam perseguindo pelas ruas do bairro. Chegou em casa, estacionou na garagem do prédio e nem esperou o elevador, subiu correndo os 10 andares que o separavam da segurança do lar. Entrou pela sala a dentro e encontrou meu pai sossegadamente vendo um filme... Com seus olhos arregalados e cara de fudido, contou tudo para o nosso pai. Meu pai nunca foi de muita brincadeira comigo; talvez ainda mantivesse um apurado grau de expectativa comigo, o mesmo em que estou aprendendo a diminuir com meus filhos... Mas com o Beto era diferente, ia ao Maracanã, saíam juntos, rolava até umas brincadeiras. Meu pai disse para o Roberto: Calma, você está muito nervoso! Bebe uma água, vai toma um banho frio... Roberto na mesma hora seguiu as recomendações do meu pai; bebeu água, foi ao banheiro e entrou debaixo do chuveiro. Nisso que o Roberto já estava todo molhado, a campainha de casa tocou repetidas vezes, nervosamente, ameaçadora... A urina escorreu-lhe pelas pernas. Me acharam!! Do jeito que estava e com uma toalha de rosto escondendo suas vergonhas, foi até a sala pingando água pelo chão e disse para meu pai: São “eles”, o que eu faço?? Meu pai deu uma ideia: Vá pro seu quarto e se esconda debaixo da cama, eu falo com “eles”... Roberto correu pro quarto, largou a toalha no chão e se jogou para debaixo da cama, fazendo aquela lama de água com teia de aranha. Seguiu-se um silêncio sepulcral. Ficou ouvindo com os olhos que se mexiam de um lado para o outro, tentando imaginar o que ia acontecer... Nenhum som. Nada! Nem porta se abrindo, nem a voz “deles”, nem passos, nada! Apenas o barulho do seu coração se cagando de medo!!! Após uns minutos que pareceram uma eternidade, Roberto foi se arrastando para fora da cama, andou silenciosamente nas pontas dos pés até a porta do quarto, foi escorregando pela parede até chegar à sala. Mas o que ele viu não preencheu algum sentido em sua mente. Encontrou meu pai sentado vendo o mesmo filme que assistia antes. Sussurrou baixinho lá da porta do corredor... Pai, cadê eles??? Foram embora??? O que você disse??? Meu pai olhou para o Roberto e disse calmamente: Fui eu que toquei a campainha, não tem ninguém lá fora... E completou dizendo:

E Roberto nunca mais bateu com o carro ou foi imprudente ao volante.
Desculpe-me, acabou me sobrando tempo essa noite e escrevi demais...
Adorei estar em sua companhia e dividir contigo coisas tão queridas para mim. Durma bem.
Ricardo
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