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terça-feira, 30 de agosto de 2011

A ROSA DE SARON

Veio hoje de novo? 
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Você está realmente ai?
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Ainda não me acostumei com a magia de falar tão intima e abertamente com uma pessoa que não conheço. Na minha adolescência, computador era chamado de “Cérebro Eletrônico”. Quando escrevíamos um texto na máquina de escrever e errava, não havia editor de texto, tínhamos que ficar segurando uma fita com um pozinho branco e você batia de novo a letra errada entre o tipo da máquina e o papel, para que o pozinho fosse transferido para o papel e cobrisse a tinta da letra errada e depois você voltava e batia a letra certa.... Ficava uma cagada só, mas para o padrão da época era aceitável. Cansei só de lembrar... Sou ainda muito caipira para assimilar de maneira absoluta e abrangente essa ficção científica de estar num quartinho nos fundos do meu apartamento, que batizei de “O refúgio do Guerreiro”, escrevendo minhas bobagens e alguém, sei lá quem, e sei lá onde, também no seu próprio refúgio, acompanhando meus textos, no dia seguintes ou muitos dias depois de tê-los escrito.... Por isso pergunto se você está mesmo ai? Conforta-me acreditar que sim. Apesar de que, no fundo, sinto que falo apenas comigo mesmo... Já que somos amigos de textos, vou contar uma confidência: a senhora B não está morando mais comigo. Está há mais de duas semanas na casa da mãe dela. Tenho dito aqui e ali que ela viajou... Viajou porra nenhuma... Fez uma pequena maleta e levou, além de alguns pertences, essências tão saborosas quanto absolutas da minha vida, moldadas nas alegrias e frustrações geradas no dia-a-dia desses 25 anos de convivência... Cara está doendo mais do que pisada em unha encravada! Por isso peço desculpas para você, não estou sendo uma boa companhia de bate-papo... Um dia você acorda e o eixo do seu mundo rotacionou 180o, o que antes era teto agora é chão e vice-versa. Sejamos francos, todos os dias acordamos querendo que o equilíbrio das coisas que acreditamos e das coisas que conquistamos não se rompa, pois as instruções de como devemos proceder em caso de pane em pleno voo, não constam no nosso diário de bordo... Na verdade a nossa grande expectativa secreta é que as mudanças sejam apenas singelas, adocicadas, capengas, serenas, frágeis e que não nos deixe descobertos a pontos de termos que romper a nossa casca e brotar suco de nossos paradigmas. A rotina é confortável, tão maldita por nós, mas ela é muito confortável e previsível. Na maior parte do tempo estamos mais preocupados em tentar garantir aquele de sempre sobre a mesa, aquela prateleira meio cheia da geladeira, aquele mínimo necessário para sanar as dívidas dentro do prazo, aquela nossa convicção que doença só acontece na casa do vizinho... Aturamos o patrão, aturamos o gerente, aturamos os clientes, aturamos o nosso trabalho sabendo que existem bilhões de coisas maravilhosas para se ver e conhecer neste mundo, mas que para nós, cada vez mais, só existem nas telas do cinema ou nas revistas... Acabamos por nos contentar em visitar Caxambu uma vez por ano ou qualquer outra coisa por ai... Exibimos aos colegas do trabalho as mesmas fotos das mesmas férias que tem se repetido todos esses anos... E ainda ficamos felizes de poder ao menos realizar essa extravagância... E acima de tudo, aquela nossa estúpida convicção de que existe um deus moldado a nossa imagem e conveniência, interpretado conforme nossas necessidades e frustrações; não o Deus real, não o verdadeiro, o magnânimo, o perfeito, a Rosa de Saron, mas aquele deus que secretamente achamos ser meio cego, que não vê com clareza nossos vacilos, que tem péssima memória sobre nossas mentiras, sobre os deslizes que cometemos... deus superbonder comprado no mercado para restaurar as pontas quebradas que vão surgindo... 

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Será?
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Eu avisei, hoje não estou uma boa companhia para bate-papo. Sozinho neste apartamento grande e dormindo numa cama vazia, me falta vontade de ser falso contigo... Se a alma fosse constituída de células, sinto que cada uma delas estaria sendo espremida como aquelas espinhas que tínhamos quando achávamos que o Mundo nos pertencia...
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Já passa da meia noite. 
Até amanhã, ou como dizem nas viagens de avião do corujão: Bom dia.
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Ricardo Cacilias

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