Baseado numa história real



Sou prisioneiro do presente, do momento, quem assiste indefeso o avançar dos segundos, o girar das hélices do relógio... O tempo parece lento como o movimento das nuvens, mas entre um piscar e outro suas formas se refazem. Qual relógio poderia girar com o dedo o contrário da sua direção? Fazer o tempo rebobinar seu filme? Confesso que existe alguém que eu gostaria de ter conhecido quando era criança, que valeria a pena voltar no tempo, refazer a minha história. Se eu pudesse voltar nos anos, iria sentar-me atrás da sua carteira, na escola primária, e como travessura de criança levada, puxaria seus cabelos presos na fita amarela; e se algum fio viesse entre meus dedos, eu teria guardado cada um deles entre as páginas de um livro qualquer; porque os cabelos são como o amor, nunca envelhecem... Se eu pudesse voltar nos dias da tua juventude, teria ido morar na esquina da rua da tua casa, e vez por outra, ver da janela tua sombra te acompanhar; te ver crescer na pressa das árvores, os outonos da tua vida trocarem as folhas da menina virgem, pelas flores cheirosas de mulher. Queria ter roubado flores dos jardins alheios, corrido arteiro pelas ruas segurando meu sorriso balançando na ponta de um caule; ter podido dar a minha primeira flor para quem receberia a sua primeira rosa. Queria ter sido seu primeiro namorado, o primeiro a esfregar a boca em teus lábios, descoberto contigo que gosto tem a boca de uma mulher. Aprenderíamos juntos que o amor e o compromisso, são as pernas de um mesmo corpo. Iria profanar a virgindade do teu corpo com dedos profanos tão virgens quanto a sua natureza; contornado a natureza dos teus desenhos, desvendados segredos que só teus olhos de menina, saberiam me contar. Queria que você me tivesse contado qual o sentido da palavra amor, e me fizesse entender que nem todo homem tem o mérito de possuir o amor de uma mulher; e na fogueira desta paixão juvenil, sentir-me devorado e reconstruído em cada encontro, e forte o suficiente para arrastar meu corpo desfalecido em cada despedida. Queria ter sido aquele que em palavras tremulas e assustadas, dissesse o quanto o amor me fez te pedir em casamento; ser, afinal, aquela que me viria envelhecer e que saberia contar melhor do que eu como eu envelheci. E tendo ouvido da tua boca a aceitação de ser minha mulher, me acenderia como num rojão de foguete, e eu riscaria os céus de uma noite fria, como uma linha de luz, como um foguete em brasas, num rastro cumprido e fumegante, e alguém sem amor, do outro lado da cidade, me chamaria de estrela cadente. Queria ter sido aquele que te esculpiu mulher, provocado às surpresas, as aflições e delícias do seu primeiro gozo; e ter sentido seus braços me apertarem na intimidade do nosso prazer. Quando da tua boca entoaria os ais da minha penetração, teus olhos fechariam virgens para despertarem uma mulher completa, saberei que os segundos dessa paixão viveriam na tua memória até que se cansasse de contar os anos que se virão; pois fui o homem que fez teu corpo mulher. Queria ter descoberto segredos que só o amor revê-la e fazê-los parte das minhas verdades, conquistado tanta confiança que ela pularia no escuro ao meu chamado. Queria que tivéssemos descoberto juntos, como é sentir-se pertencer a alguém e ter alguém para sentir-se seu. Queria ter plantado filhos no teu ventre, ver sua barriga crescer formando a imagem da nossa eternidade, e se antes ela já fosse a minha vida, mais amada seria por ser um celeiro de vidas. Eu teria passado óleo de amêndoa em volta do seu umbigo, teria corrido as ruas para comprar as comidas que o seu desejo pedisse, teria segurado sua testa nos enjoos e ajudado a escolher os nomes de nossas crianças... Ah! Como eu queria ter vivido todos esses anos ao teu lado. Quantas manhãs acordaria vendo seus cabelos desalinhados e a despertaria com beijos em sua boca? Quantos risos daríamos pelas surpresas de uma chuva de verão, faria do meu corpo o teu abrigo sem deixaria gota alguma te fustigar? Quantos agasalhos teria tirado de meu corpo para cobrir seus ombros? Quantas frutas teríamos comprados na feira de sábado? Quantas vezes teria ido a escola buscar nossos filhos? Quantos presentes fora de hora teria trazido para casa e jogado em seu colo? Quantos jantares e quantos cafés da manhã teria feito vez por outra e vê-la fingir que estavam gostosos? Quantos motivos eu teria dado para seus olhos se apertarem num sorriso? Quantas manchas de amor teríamos desenhado em nossos colchões? Quantas descobertas ficaram perdidas por não termos estado juntos na sua busca? Quantas portas permaneceram para sempre fechadas e seus ambientes
empoeirados ficaram esperando a nossa entrada, porque não estávamos lá para empurra-las? Quantos verões, primaveras, outonos e invernos teriam entrado e saído de nossos dias formando os anos de nossa convivência? Queria ter cantado nos seus aniversários, secado seus choros e ter podido dizer que tudo acabaria bem e que eu ficaria ao seu lado. Queria ter podido ver nossas rugas se refletirem um no outro e eu saberia contar como cada uma surgiu no seu rosto. Queria ter podido dizer, ao longo de todos esses anos:
Eu amo você!