Meu misterioso leitor, minha mãe sempre disse que eu sou exagerado, em tudo; isso era dito ternamente com os dentes trincados... É o meu jeito, mecho com as emoções das pessoas, algumas me amam e algumas muitas longe disso. Sou exagerado mesmo, mergulho de cabeça nas minhas crenças e nos meus labirintos... Sou paixão pura, em tudo que considero. Mas só Deus onipotente e onipresente é perfeito, imaculado e sem defeito; só Deus. Eu tenho os meus defeitos, minhas mancadas e meus momentos pouco reluzentes... Dei umas mancadas com a senhora B e ela tem estado aborrecida comigo. Quando você estupidamente resolve pintar o teto da sua casa com sua camisa nova e linda e a tinta respinga, ela deixou de ser nova e bonita? Claro que não!!! É uma camisa nova, bonita e respingada de tinta. É o ideal? Não! Mas respingou, e transformou o perfeito em menos perfeito... Não bebi o suficiente para achar uma boa ideia entrar em detalhes, mas sinto vontade para deixar a mão do coração teclar o que quiser.

Há uns meses atrás na cidade de Mantova na terra dos pais de minha mãe Malvina, na Itália, arqueólogos acharam uma poesia em forma de ossos. Foram desenterrados os esqueletos de um casal com 6.000 anos de idade. As primeiras análises revelaram serem ossaturas de dois jovens, um homem e uma mulher, e estavam abraçados. Eu me lembro de ter lido isso nos jornais e fiquei muito comovido quando vi a foto. Imaginei os últimos momentos desse casal, as últimas palavras, o último olhar, sem anel no dedo, sem a bênção cristã, sem nome, sem lápide... apenas unidos pelo mais puro e misterioso amor... Eu os louvo por isso. No seus minutos finais de vida, sei lá o que aconteceu, um terremoto, um tigre dente de sabre, um mamute... eles se abraçaram e assim morreram. Comentei com a miss Daise sobre isso, na época, e disse que gostaria de ter nossos ossos enterrados juntos também em algum lugar; juntos na terra, juntos no infinito... mas ela docilmente disse que eu não poderia ficar na sepultura da família dela... Acho que fiquei com a cara de bobo nessa hora. Exagerado?? Eu sou um exagerado, amo demais, desejo demais... não meço meus ridículos. Ainda acho que vale a pena antenar meu coração com o cosmos e ser autêntico. Se amo, amo! Se gosto, gosto! Se quero, quero! A história do Mundo é traçada por paixões, pelas certezas, pela batalha, pelas conquistas. Nunca fui passarinho de boca aberta esperando por comida, sempre fui à terra buscar as minhas minhocas. Será que vou me separar de novo? Só Ele sabe... Nas palavras de Vinicius: “Que o amor seja eterno enquanto dure”; e o meu não acabou ainda. Lembro de uma certa vez que eu e a senhora B estávamos naquele meu fusca velho, velho mesmo, estacionado em frente a faculdade que estudávamos. Novembro de 1986...Era noite, chovia fino, as folhas das árvores próximas cantavam baixinho. Seguido de um breve e inquietante silêncio e a contemplação de nossos olhos, surgiu um beijo quilométrico, insano, tridimensional, iluminado e inesquecível.
 |
EU E A SENHORA B |
Nunca havia acontecido isso comigo antes; não se tratava apenas de bocas e línguas, mas o entrelaçamento de duas almas... Após aquele momento tão mágico quanto definitivo, me senti casado com ela. Depois desse beijo, todos os meus dias ao seu lado foram especiais para mim. Chega de falar, vou dormir.
Nas trincheiras das divagações,
despeço-me
Ricardo
 |
«Porém mais tarde, quando foi volvido/
Das sepulturas o gelado pó, /
Dois esqueletos, um ao outro unido, /
Foram achados num sepulcro só»
são os últimos versos de
«Noivado do Sepulcro»,
elegia ultra-romântica do poeta português
Soares dos Passos. |